A construção de um ídolo não acontece por acaso.
Ela é uma combinação de admiração, projeção e, muitas vezes, de um desejo coletivo de encontrar uma referência que represente aquilo que valorizamos ou aspiramos ser. Desde os tempos antigos, a humanidade elege figuras emblemáticas para cultuar, sejam elas líderes políticos, atletas, artistas ou pensadores. O fenômeno do idolatrismo se baseia na idealização, no carisma e na necessidade humana de pertencimento e inspiração. Como dizia o sociólogo Émile Durkheim, “a sociedade é reflexo de suas crenças e rituais”, e os ídolos são uma manifestação disso.
A construção de um ídolo começa com a criação de uma narrativa poderosa. Ele precisa ser mais do que uma pessoa comum; deve representar algo maior, algo que ressoe no inconsciente coletivo. Isso pode vir da superação de dificuldades, do talento extraordinário ou da capacidade de comunicar valores profundos. Pense em figuras como Nelson Mandela, que, ao resistir ao apartheid e liderar a reconciliação na África do Sul, se tornou um símbolo de luta e perdão. Ou em Michael Jordan, que transformou o basquete em arte e inspirou gerações com sua ética de trabalho incansável. Esses exemplos mostram que a idolatria não se resume à fama, mas sim àquilo que uma pessoa simboliza para os outros.
Outro fator fundamental é a mídia. Vivemos em uma era onde a imagem e a narrativa são cuidadosamente construídas. Empresas e instituições moldam a figura dos ídolos para atender a demandas do público. Aristóteles, em sua “Retórica”, já destacava que a credibilidade (ethos), a emoção (pathos) e a lógica (logos) são essenciais para a persuasão, e isso se aplica perfeitamente à construção de ídolos. Quanto mais alguém consegue reunir esses três elementos, mais carismático e influente se torna. A mídia moderna amplifica esse processo, transformando talentos individuais em lendas globais. O mito do “herói improvável” é especialmente eficaz: alguém que começa do nada, supera adversidades e atinge o topo. Essa é a fórmula narrativa que transforma meros mortais em ídolos.
No entanto, há um lado perigoso nessa construção. A idealização extrema pode levar à decepção e até ao fanatismo. Friedrich Nietzsche alertava para os riscos da idolatria cega, afirmando: “Quem combate monstros deve tomar cuidado para não se tornar um deles” (“Além do Bem e do Mal”, 1886). Quando um ídolo é colocado num pedestal inalcançável, qualquer falha pode provocar um colapso emocional nos admiradores. A recente cultura do “cancelamento” mostra como figuras antes adoradas podem ser rapidamente descartadas quando falham em corresponder às expectativas irreais do público.
A verdade é que os ídolos são construídos pela necessidade humana de significado e inspiração. Mas cabe a cada um decidir até que ponto essa admiração é saudável. Afinal, como bem disse Carl Jung, “aquilo que negamos nos submete, aquilo que aceitamos nos transforma”. A idolatria pode ser fonte de crescimento ou de frustração – depende do equilíbrio que escolhemos manter entre admiração e discernimento.