O que leva o descumprimento do isolamento social?
Psiquiatra explica aspectos psíquicos e emocionais
Há cerca de três meses, foram adotadas as medidas de isolamento social no Brasil. Quando tudo começou, parte da população ainda estava em fase de negação em relação a tudo que estava acontecendo no mundo. Afinal, a pandemia pegou todos de surpresa. E com o aumento de casos da Covid-19, as regras de confinamento ficaram mais rígidas. Mas, mesmo assim, algumas pessoas ainda têm dificuldade em cumprir o distanciamento de amigos e familiares.
Para o psiquiatra Luan Diego Marques, a reação emocional mais comum frente ao novo ou desconhecido é a negação, assim como ocorreu enquanto o vírus estava em países europeus e na China. “Observamos, naquele período inicial do primeiro decreto, um movimento de dúvida e desconfiança de quanto as medidas eram necessárias ou se não eram um exagero. Após o aumento de casos um medo real tomou conta, o que facilitou o cumprimento das medidas de isolamento social”, explica o especialista.
Porém, passados alguns meses a adesão popular às medidas de isolamento caiu. É comum ver pessoas se reunindo com amigos e familiares em casa, praticando esportes coletivos, fazendo aglomerações no comércio, ou seja, não cumprindo as recomendações. Estudo preliminar realizado em abril pelo departamento de Psicologia Social da Universidade de Brasília mostrou que a renda foi um fator importante para o descumprimento das medidas.
“A informalidade e os medos advindos dos riscos econômicos do isolamento pressionaram para que a camada mais vulnerável da população continuasse muitas atividades, por isso, uma boa política que garanta renda para essa população contribuiria no manejo desses medos”, completa Luan.
Luan ressalta que entre os obstáculos enfrentados estão os desafios que o próprio distanciamento social traz. “Nós brasileiros, em sua maioria, temos como característica a relação próxima com o outro, o contato, o abraço e o que parecia ser fácil, revelou-se uma tarefa muito difícil”, afirma o psiquiatra.
Segundo o especialista, quanto mais velhos, mais dificuldade modificar um comportamento. “Observo forte resistência enfrentada em convencer alguns idosos, o grupo mais vulnerável, a tomarem parte das medidas de isolamento social”.
O estudo feito pela UnB também apontou que a posição política pode influenciar no cumprimento do isolamento. “A necessidade do isolamento tem sido questionada por opiniões públicas de grande impacto, contribuindo para uma sensação de validação da quebra das medidas”, afirma o psiquiatra.
Ansiedade
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil sofre uma epidemia de ansiedade. Para o psiquiatra, o transtorno relaciona-se a medos e incertezas, o que pode contribuir para uma maior desconfiança das medidas mais rígidas, facilitando o descumprimento do isolamento social.
O médico ressalta que boa parte da população possui um ritmo intenso de vida, seja nos estudos ou no trabalho. Passar mais tempo em casa significa precisar lidar com o tédio, isso piora substancialmente os níveis de ansiedade, sendo um facilitador para atitudes mais impulsivas como encontro com amigos, uso elevado de bebidas alcoólicas, festas, entre outros.
“Nunca foi tão necessário um movimento de consciência coletiva. Temos que respeitar e ajudar os outros nas barreiras que o dificultam de se manter em isolamento, que é a medida mais eficaz apontada pela ciência para conter o colapso do serviço de saúde e evitar mortes”, conclui.