Pioneiro Alberto Fernandes, o homem que não reclamava.
Fundador da primeira ótica e joalheria de Brasília, Alberto foi um sobrevivente. Sobreviveu a malária, a incêndio, a acidente vascular cerebral que tirou a sua voz, mas jamais a sua perseverança. Ele se foi silenciosamente, aos 88 anos, em decorrência de complicações respiratórias após contrair o coronavírus. Deixou saudades, bons filhos a um mundo que sucumbe e clama por pessoas legais, uma esposa fantástica e o maior legado ao ramo imobiliário de Brasília: a Beiramar imóveis. Ele se foi sem reclamar…
Por: Carolina Cascão
Se pudesse enumerar uma lista de pessoas incansáveis, o maranhense de São João dos Patos, Alberto Fernandes estaria no topo. Tudo em sua vida apontava para dar errado, mas ele não desistia. Trocou a cidade natal pelo garimpo ao lado do tio em Xambioá, no Goiás. E até chegar ao ramo imobiliário e fundar a Beiramar imóveis, em 1981, muitos obstáculos tiveram que ser removidos com maestria, calma e esperança. Apenas um deles, Alberto não conseguiu: o de viver mais um pouquinho. Faria 89 anos no próximo 15 de novembro, mesmo dia do filho caçula, Paulo, 33 anos.
A trajetória de sucesso se deu após uma sucessão de tentativas, erros e acertos. Ao contrair a malária no garimpo, a decisão de mudar de vida estava iminente. Ao invés de minerar, venderia joias. E lá foi ele, durante sete meses, como comerciante de preciosidades, numa longa viagem passando por Marabá e Belém (PA), Guarajá-Mirim (RO), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) e Nova Olinda do Norte (AM).
O mesmo tio que o levou ao garimpo convidou-o para morar em Brasília, a cidade-sonho de Juscelino Kubistchek , de Dom Bosco. Chegou antes da inauguração, aos 27 anos no dia 18/12/1959. No ano seguinte, abriu uma joalheria, uma pequena construção de madeira, na Cidade Livre, hoje, Núcleo Bandeirante. As primeiras alianças de casamento da cidade eram compradas com o Alberto -, sempre realizando sonhos.
Como a vida não é muito fácil a todos, especialmente a um grupo seleto de pessoas, o primeiro negócio de Alberto sofreu um incêndio, causado pela estrutura das casas e comércio da região que eram todas de madeira. De todo o estoque, apenas 30% sobreviveu. Por ser um cidadão correto, a relação excelente com os fornecedores permitiu que por meio de um crédito, ele pudesse respirar e inaugurar a primeira ótica e joalheria de Brasília, chamada Sônia (em homenagem a primeira filha), na Rua da Igrejinha, na 108 Sul.
Devido a instabilidades econômicas do país na época, Alberto mudou de ramo mais uma vez e criou uma fábrica de embalagens de papel, a Embalagens Brasileiras S.A, fundada no Setor de Indústrias (SAI). E foi aí que aconteceu o pulo do gato. O negócio não prosperou devido à crise da celulose em 1972, mas a percepção aguçada de Alberto descobriu que o terreno da fábrica estava valorizado. Então, a partir daí, o espaço foi vendido e com o dinheiro, outros imóveis foram adquiridos. E, em 1981, a primeira Beiramar imóveis foi inaugurada, em Taguatinga, como maneira de sobreviver à burocracia. Aliás, até os dias atuais, um dos pontos de destaque da empresa e fazer negócios sem burocracia e facilitar que sonhos sejam realizados sem fiadores e por meio de linhas de crédito.
Beiramar e o compromisso com a realização de sonhos
A empresa tem como base a união familiar e o compromisso em realizar o sonho das pessoas. Juntos, Alberto Fernandes, a esposa Marimir Colares Fernandes e os filhos Pedro Henrique e Paulo, formaram um time para nenhum técnico botar defeito.
Marimir era o braço direito do marido em todos os momentos. “Ele era incansável, muito trabalhador. E ainda assim arrumava um jeito de nos surpreender. Fascinava-nos com surpresas. Chegava com flores quando menos esperava. E bolava viagens inesquecíveis para a nossa família. Lembro do nosso natal em Los Angeles, da festa surpresa no meu aniversário de 50 anos, da viagem de rainha a Los Angeles nos meus 60”, relembra Marimir.
Pedro, formado em Administração de Empresas, lembra quando pediu para trabalhar na empresa e comunicou aos pais. “Meu pai era o empreendedor e corria riscos. Minha mãe, a administradora, a que cuidava e organizava. Eu me via administrador. Era o que eu queria fazer”, disse.
O contato dos filhos com o mundo dos negócios começou cedo. “Meu pai nos levava para a empresa na época das férias. E quando eu tinha 12 e o Paulo, 8 anos, meu pai nos colocou na sociedade da empresa”, disse Pedro.
Outro momento que vale citar foi quando Pedro vendeu o primeiro imóvel. Dias antes, ao participar de uma reunião informal com os amigos, ele estava encantado com o trabalho e só falava sobre imóveis e preços por metro quadrado. Foi quando o Bernardo que ele mal conhecera na festa ligou uma semana depois precisando vender alguns imóveis da avó que acabara de falecer. “Lembro bem as palavras dele: ‘preciso vender pelo menos um imóvel de emergência para eu montar a minha academia’, disse. O imóvel era um lote no lago norte que ele vendeu por 200 mil reais em 2002 e, hoje, vale dois milhões. “Meu pai me ajudou. Não sabia muito o que fazer, pois o interessado era um fazendeiro que queria pagar com gado. Meu pai colocou tudo no papel, pediu um sinal e deu um prazo para que ele vendesse os animais”, relembra. Pedro disse que nunca esquecerá as palavras da esposa do fazendeiro: “Realizei meu sonho em ter uma casa com vista para o lago”. E Bernardo, o sonho de montar uma academia.
Alberto era um pai que dava tudo para a criança sem deixar de mostrar o lado real da vida. Antes de o Pedro ser “promovido” para vender um imóvel, ele trabalhou na recepção da unidade de Taguatinga. Recebia os alugueis, servia café, varria o chão. Por diversas vezes, os irmãos panfletavam ao lado da mãe ou mostravam imóveis aos interessados.
Paulo, o filho caçula, formado em Engenharia pela Unb, sempre gostou de tecnologia. E trabalha atualmente nesta área ao especializar em plataformas digitais em São Paulo. Nasceu no mesmo dia que o pai, no dia 15 de novembro. No aniversário que se aproxima, ele virá a Brasília ficar ao lado da família no seu primeiro aniversário sem a presença do pai, o qual tinha tanto orgulho.
A Beiramar imóveis foi batizada com esse nome porque para Brasília ser perfeita só faltava o mar. Era a sugestão de um amigo de Alberto. Durante esses 38 anos de vida, contabiliza-se que a imobiliária beneficiou mais de 120 mil pessoas.
Amor de vida, de trabalho, de destino…
Parece história de novela e poderia até virar letra de música. Um pouco parecida com a história de Eduardo e Mônica da canção de Renato Russo (a cara de Brasília), tirando a parte do camelo e da moto, ela foi convidada para uma festa bacana por uma amiga do cursinho. Não tinha gente estranha, mas os personagens estavam fora de lugar. A casa era do Alberto. Marimir não sabia. Ele estava com namorada. Ela com namorado.
Marimir Colares Fernandes pode fazer o papel do Eduardo porque a diferença de idade com Alberto somava 24 anos. Nada que impedisse o romance. O mais bizarro é que eles se conheceram muitos anos antes em Amapá, não o estado, e sim uma cidadezinha do estado, entende? Ela era secretária de finanças do Governo de Macapá e Alberto ia sempre lá fazer as cobranças. Não fizeram amizade, apenas sabiam um do outro.
As linhas do destino cruzaram mais uma vez, só que na capital do país. Ela veio para trabalhar no Ministério do Interior. Ele…já sabemos a história. Quando se viram na festa, Alberto lembrou de Marimir no mesmo momento. E a convidou para um jantar em casa em outra ocasião. Marimir foi, e levou o irmão e a amiga do cursinho. Dessa vez, sem namorado. Nem ele, a namorada.
“Alberto me passava segurança, proteção e cuidado. Dizia que em mulher não se bate nem com uma flor”, lembra Marimir.
E como na vida nada é linear. Namoraram, terminaram, namoraram, terminaram outra vez. Começaram a morar juntos quando ela engravidou e esperava o Pedro. Casaram-se quando o Paulo nasceu.
Ficaram juntos durante 38 anos até o último dia de vida deste memorável pioneiro. E desta união, Marimir lembra apenas de coisas boas. “Ele não reclamava nem de cansaço. Amava doces de maneira geral. Em casa não faltava. Nem pamonha. Nem música do Roberto Carlos”, disse. “Ah e como gostava de carros. Era apaixonado!”, lembra.
Os últimos anos de vida foram difíceis. Alberto parara de falar após um acidente vascular cerebral, em São Paulo, logo após três dias que Marimir havia superado um câncer de mama. Ficou um período na UTI do Sírio Libanês de São Paulo. E mesmo assim não reclamava de nada. “Eu animava ele todos os dias. A vida era uma festa. Brincava com ele de marcha soldado cabeça de papel à noite. Queria vê-lo feliz apesar das circunstâncias”, disse.
Pioneirismo e convívio social
“Ele adorava a vida social. Aceitava todos os convites. Ia para inaugurações de lojas, aniversários, eventos beneficentes. Adorava o Rotary. E trabalhava e trabalhava. E ajudava muito as pessoas também”, disse a esposa Marimir.
Filho de Pedro Fernandes de Sousa e Jardilina Barbosa de Sousa, o maranhense recebeu em 2014, o título de Cidadão Honorário de Brasília. “Estou emocionado por receber esta homenagem porque sei que ela é uma espécie de reconhecimento da minha contribuição e dedicação à Brasília”, revelou em entrevista ao Jornal de Brasília, à época.
Alberto era pioneiro com orgulho por ter conseguido vencer na capital. Era fascinado por Juscelino Kubistchek, assim como os outros pioneiros, que reconhecem os 50 anos em 5 do falecido Presidente que construiu Brasília, a capital do país.
Casou-se três vezes. Teve três filhos no primeiro casamento: Sônia, Socorro e Alberto Filho. Nenhum filho no segundo enlace6