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quinta-feira, novembro 21, 2024

SANAGÊ, O ARTISTA QUE GOSTA DE OUVIR.

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SANAGÊ, O ARTISTA QUE GOSTA DE OUVIR.

Vejo pássaros livres”. E assim foi a primeira impressão sobre as esculturas interativas, intituladas Ilhas Conexas. Olhei para o artista Sanagê Cardoso e disse sem preocupação o que sentia. Ele ouviu. Prestou atenção. Fiquei pensando que se cada pessoa tivesse uma bola de cristal, a primeira frase dita seria: “eu vejo…”. E não importa o que vemos. O que importa é que as esculturas de Sanagê são como bolas de cristal. Fazem um convite aos questionamentos, estimulam o pensar. Se isso for em voz alta então, melhor. Pelo menos para o Sanagê, o artista que gosta de ouvir. E que a partir daí, sente-se motivado a criar.

Sanagê Cardoso, 68 anos, chegou a Brasília, aos 18 anos, em 1972. Há 50 vive na capital e daqui não quer sair por nada. Gosta de passear, viajar, desde que volte para a casa na capital do país. Não perdeu o sotaque carioca, mas o coração vive no ateliê brasiliense. “Cheguei à Rodoviária, olhei para um lado, olhei para o outro e disse que independente do que acontecesse aqui, daqui não iria sair”, lembra.

Famoso pelas esculturas, feitas com ferro, o artista plástico de linguagem neoconcretista, tem mais de 20 obras públicas por toda a cidade, como o Centro Médico Lúcio Costa, a quadra residencial 302 norte e o Setor Hoteleiro Norte. E em residências também…para a sorte de quem as tenha adquirido.

Começou como fotógrafo e em seu estúdio fotográfico, localizado na 715 norte, ele produzia imagens para material publicitário. Dali para as esculturas foi um pulinho. Bastou apenas retirar o clipe. O clipe mesmo, aquele que serve para não perder a papelada, prender documentos. E há 46 anos, Sanagê trabalha com clipes. Todas as esculturas nascem de um clipe. Inacreditável! Os clipes viram pessoas, pássaros, ponteiros, mãos, caminhos e até suporte para um banco de praça, como o que estávamos sentados enquanto conversávamos. “A arte tem a competência de escolher os seus elementos e intervir, fazer argumentar, enxergar coisas que até então não se via antes”, revela.

Sentado sobre os clipes

Uma obra é o artista em alma e coração. Conseguimos desvendar um pouco do artista pelo trabalho que ele faz, embora Sanagê preserve muito da vida particular. Não se sabe nem ao menos a data de nascimento dele. Filho de Maria do Carmo, 94 anos, e do falecido Oswaldo, disse que foi registrado em data diferente do nascimento, então, não liga muito para isso não.

O que realmente importa para Sanagê é construir mentes que gostam de arte, mostrar o quanto ela é importante para a vida. “A arte é fundamental. Todos, independentes da ocupação ou profissão, deveriam fazer um curso de arte em algum momento da vida. Faço questão de sair do meu ateliê para ir até a exposição, onde estão os meus trabalhos, só para explicar qualquer dúvida, mesmo que seja para apenas uma pessoa”, disse.

Sotaque carioca, alma brasiliense!

Tenho curiosidade sobre a impressão das pessoas. Isso me traz responsabilidade. E assim tento me superar a cada trabalho, que vai ficando mais elaborado e consistente”.

Sanagê levanta a importância do patrocínio da iniciativa privada. “É fundamental que acreditem na arte. E estimulem”, disse.

Sanage? e o Painel produzido durante a pandemia

O movimento das esculturas aliados ao contexto filosófico e psicológico fecham o triângulo das esculturas e vida de Sanagê. E dentro desses limites, ele coloca o trabalho em prática. Durante a pandemia, o artista ficou recluso 96 dias, e neste período criou o Painel “96 Dias no Labirinto”, em exposição no Museu de Arte de Brasília (MAB), que representa em pequenos 96 paineis, cada dia longe da sociedade. “Foi um momento meditativo. Busquei a saída do labirinto. Naqueles momentos o ego e o alter ego conversavam entre si. Veja que alguns painéis estão em branco. Foram os dias que não produzi”, disse. A novidade agora é que deste reflexivo quadro nasceu um livro que será lançado em breve. Cada capítulo começará com uma frase emblemática de autoria do próprio artista.

Vejo pássaros em você”

Esculturas interativas Ilhas Conexas ao fundo

Ou anjos. Ou estrelas. Mas que na verdade são ilhas conexas de…aí é que está o ponto do equilíbrio, você vê o que quiser. A arte tem disso. O dom de lhe deixar livre, à vontade. E é exatamente o que as esculturas cinéticas interativas, “Ilhas Conexas”, também exposta no MAB, quer transmitir: a capacidade de indagar. E por meio de 36 esculturas fixas por meio de roldanas, o visitante pode interagir e vivenciar os clipes do cotidiano. Cada clipe tem nove furos, um número proposital colocado pelo artista que significa os nove meses de gestação humana.

Todas as esculturas de Sanage? nascem de um clipe

……………………………………..

Todos os caminhos são válidos

Escultura do Acervo Do Museu de Brasi?lia- TODOS OS CAMINHOS SA?O VA?LIDOS.

A obra acima faz parte do acervo do MAB em Brasília. Logo na entrada do museu, a escultura faz um convite à reflexão. Já disseram que ela poderia ser uma espécie de rosa dos ventos. Eu vejo…várias mãos que escolhem o caminho que querem seguir. Difícil escolher, pois são vários. Pelo menos, todos são válidos e trarão experiências significativas. Notem a sombra que a obra concretista reflete no chão.

Piauí e colosso da vida de Sanagê

Conta Sanagê que 24 horas de viagem foi o suficiente para marcar a vida. E lá foi o artista visitar uma escola pública em Uruçui, no Piauí. Tudo começou com a ligação de uma professora. Segundo ela, uma aluna viu a obra de Sanagê num livro didático e perguntou se ele morava no céu. Isso foi o suficiente para despertar ainda mais a sensibilidade do artista que saiu de Brasília para Teresina de avião e, depois, percorreu mais nove horas de ônibus para chegar até a cidade. “Foi um colosso na minha vida. Vi como as pessoas me respeitavam. Algumas verdades foram consolidadas. Adorei ver o quanto a educação é importante”, relembra.

Sanagê é Sanagê mesmo

Não é apelido. É nome mesmo. A mãe dera esse nome por causa de um casal querido que ela conhecera. “Adoro o meu nome. É um grande laço de amor comigo mesmo. Me vejo como uma usina. Busco produzir o tempo todo. Isso é amor”, disse.

Sanagê, artista plástico radicado em Brasília, formou-se pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. Algumas inspirações e referências vem do artista norte-americano Alexander Calder, famoso pelos móbiles e esculturas gigantes; do escultor brasileiro Franz Weissmann, um dos principais modelos brasileiros de escultura; e do Amilcar de Castro, também brasileiro. Todos falecidos que deixaram um grande legado para a arte.

Sanagê ama São Paulo, adora atravessar a Avenida Paulista. Sonha em ir a grande metrópole todos os finais de semana só para passear, conta rindo. Diz também que Barcelona mexe com a emoção. “Fiquei alucinado a primeira vez na cidade. Antoni Gaudí está por todos os lados”, disse.

Adora ouvir música clássica enquanto trabalha. Segundo ele, ajuda na concentração. As obras dele provam isso. Os “clipes” de Sanagê prendem o nosso coração em um caminho só de ida, pois eu vejo…que não quero voltar. Quero ver mais!

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