Se aquela geladeira falasse…
…teria registrado um momento histórico entre o JK, falecido ex-presidente, fundador de Brasília, e o empresário Simão Sarkis, quando se conheceram. Foi o começo de uma verdadeira amizade. Neste mesmo período, ele especializara em refrigeração e fazia os consertos mais difíceis de geladeira na capital do país. Conta que vencera a concorrência por ter estoque de peças sempre disponível. Visionário, aos poucos, Simão enveredou-se logo para o setor de construção. Hoje, o Grupo Sarkis, é uma empresa empreendedora familiar: filhos e netos trabalham em obras distribuídas por todo o Brasil.
Simão Sarkis Simão, mineiro de Uberlândia (MG), sétimo dos irmãos Sarkis, nasceu em 08/09/1940. É de família libanesa e aprendeu desde cedo o valor do trabalho. “O trabalho não faz mal a ninguém. Pelo contrário, dá força”, disse. Como os irmãos, começou a trabalhar muito cedo, aos 14 anos, na área de serviços elétricos e de refrigeração.
“Uai, mas tá gelando mesmo”
Disse Juscelino Kubitschek ao ver que a geladeira dele estava enfim funcionando, após o conserto minucioso do menino Simão. Conta-se que Ildeu Valadares, um amigo, primo do JK, convocou Simão para consertar uma geladeira no hotel que estava sendo construído pelo governo, na Ilha do Bananal. Chegando lá, o falecido ex-presidente estava na cozinha a perguntar “onde estava o mecânico?”. Responderam: “olhe ele aí” e apontou ao Simão. Mas Juscelino retrucou dizendo que “quem veio aqui antes não deu conta, este menino vai dar conta?”. Simão disse que essas palavras ficaram gravadas. Ele tinha apenas 17 anos na ocasião e deu conta do recado. Identificou que haviam colocado gás demais na geladeira fazendo com que o óleo do compressor fosse para o condensador, impedindo que as bebidas ficassem geladas. Terminado o serviço, JK fez questão que o menino ficasse para o jantar.
Anos depois, o mesmo amigo convidou-o para ir à casa de Juscelino. Simão queria ir, mas estava ocupado naquele dia. Mas pediu que Ildeu perguntasse ao primo se ele lembrava-se da história da geladeira. “No dia seguinte, Juscelino perguntou se eu podia ir até a casa dele. Prontamente, respondi que sim. O motorista dele foi até a loja apanhar-me”, relembrou.
“Nunca esqueci aquele dia lá”, palavras do Juscelino sobre o episódio da geladeira, contando com orgulho por Simão. A partir daí, tornaram-se amigos num convívio harmonioso até o fim dos dias do fundador de Brasília. O trio formado por Juscelino, Simão e Ildeu, viajava para pescar no rio Araguaia e encontravam-se sempre para bater papo. Isso em Brasília, Rio de Janeiro… “Na véspera da morte dele, conversamos por telefone. Convidei-o para pescar. Juscelino não pode ir. Ia ao batizado da neta. Mas prometeu-me que iríamos marcar outro dia. Isso foi num sábado. No domingo, nosso presidente faleceu num acidente”, contou.
Simão conta que Juscelino era querido por onde passasse. E que uma vez, numa das pescarias do Araguaia, o dono de um boteco quando viu o presidente, pulou o balcão e abraçou-o emocionadamente. “Era assim na pescaria, nos aeroportos. As pessoas tinham o prazer de cumprimentar Juscelino”, disse.
Vida
Em março de 1957, deixou Uberlândia com o irmão Jorge para trazer telhas de amianto para revestir o barraco que os abrigaria no enorme acampamento, conhecido como Cidade Livre, hoje, Núcleo Bandeirante. Vieram de trem até Goiandira (GO). E de lá tomaram um ônibus-jardineira até a capital do país, chegando no dia 04/03/1957, após mais de 400 km percorridos. A partir daí, os outros irmãos vinham, um a um, para a capital. E, três anos depois, os pais de Simão.
Ao perceber o enorme potencial de Brasília, Simão resolveu especializar em refrigeração. Então, no ano seguinte, partiu para São Paulo numa lambreta em 48 horas de viagem, percorrendo mais de mil quilômetros em estrada de chão batido. Parou duas vezes para descansar, uma em Uberlândia e outra em Ribeirão Preto. Na capital paulista, permaneceu por oito meses e retornou a capital para fundar a oficina de refrigeração Sarkis. Posteriormente foi batizada de Wagner Refrigeração (quando o primeiro filho nasceu) e depois, Elétrica Wagner. “Na ida da viagem não peguei nenhum trecho de estrada asfaltada. Já na volta, tudo estava perfeito. Juscelino Kubistchek cumpriu os 50 anos em cinco muito rápido. A rodovia é uma das provas”, disse.
Simão destacou-se no setor de refrigeração em Brasília por causa do bom estoque de peças que trouxera de São Paulo. “Tudo era mais difícil na época. Para vencer o concorrente, eu já tinha as peças de pronta entrega, enquanto os outros ainda teriam que viajar para buscar o material”, disse.
Dentre os sistemas de refrigeração implantados por Simão destaca-se a Rodoviária do Plano Piloto, partes do Palácio da Alvorada e do Hotel Nacional (tradicionalíssimo por muitos anos).
Como o empreendedorismo está no sangue, logo entrou para o segmento de construção, mais precisamente em 1966. Dentre os empreendimentos, destaco o primeiro apart-hotel do Brasil, o Garvey Parque Hotel, inaugurado em 1983 e que começou a ser construído em 1978. Dois anos antes, Simão levara a família para permanecer um ano nos Estados Unidos numa espécie de intercâmbio para que aprendessem outro idioma e cultura. Lá conheceu a nova modalidade de empreendimento que consistia em apartamentos administrados em regime de hotel.
Motivado com o sucesso do Garvey, construiu o Kingstown Hotel, em Taguatinga (região do entorno de Brasília), que funciona até os dias atuais.
No início do ano 2000, o Lake Side Apart Hotel, localizado no Setor Hoteleiro Norte de Brasília, foi construído com 720 unidades, entre quartos de hotel e apartamentos de um a dois dormitórios.
Em 2009, a Sarkis Empreendimento construiu o imponente edifício Parque da Cidade, construído no Setor Comercial, em Brasília, em parceria com a Brookfield Asset Management (canadense). Esta investida tem três torres, 12 andares, quase 5 mil vagas de estacionamento, cinco bancos, restaurantes, cafés.
Aos 24 anos construiu uma mansão no bairro Parkway para os pais, onde permaneceram até o fim dos dias, no ano 1983: Boulos Sarkis Simão (Paulo no documento da imigração brasileira), nascido em Zgharta e Badra, nascida em Beirute. Saíram do Líbano em 1925 e 1927, respectivamente. Paulo estabeleceu-se em Uberlândia e Badra em São Paulo. Por obra do destino e uma forcinha de um amigo de um dos irmãos de Badra, os pais de Simão casaram-se. Viveram juntos até o final da vida. Conta-se que, como num romance para derreter-se de tanto chorar, Paulo morreu. E, oito dias, depois, a esposa. E assim foram 55 anos juntos, na dificuldade e após muita luta, sossego.
Atualmente, o Grupo Sarkis tem vários empreendimentos em andamento. Todos da família (todos mesmo, filhos e netos) estão envolvidos com as obras. Recentemente iniciaram um condomínio de luxo com 274 lotes, em Araguari (MG); outro condomínio com 689 lotes na Cidade Ocidental (GO), a 42 km de Brasília e um edifício residencial com 300 apartamentos e comercial em Uberlândia (MG). A obra de Paracatu está quase chegando ao final. Essas são apenas algumas das obras.
Brasília x Simão
Brasília leva parte do crédito do sucesso -, já que aqui foi o local que o permitiu sonhar. Seria influência de Dom Bosco? Assim como Brasília foi importante para Simão, Simão foi importante para Brasília. Empreendedor visionário, generoso, corajoso e com uma sensibilidade impressionante para dinheiro e negócios sem ter tido nenhuma instrução é o que impressiona. “Nunca tive medo. Você deve concentrar-se no que está fazendo e não sair atirando para todos os lados. Do contrário, não levará nada a sério”, disse.
O lugar preferido de Simão é a Ilha do Boi, localizada em Três Marias (MG). Ela continua o prazer pela pesca. E adora assistir a filmes de cowboy e lutas.
“Vamos pegar firme”
Após “parar” de trabalhar por um tempo nos empreendimentos e dividir o patrimônio com os filhos, Simão percebeu que os negócios não estavam prosperando como o esperado. Foi então que ele voltou das fazendas, reuniu a família para ajudar na gestão e na administração das empresas. “Percebi que muitas empresas acabam falindo quando o fundador já não existe mais. Por isso me preocupei em transmitir conhecimento aos meus descendentes, filhos e netos. As gerações atuais acham que tudo vem pronto, não sabem o trabalho que dá para fazer. É preciso mostrar aos jovens como as coisas funcionam”, recomendou.
Unir as forças é a receita de êxito recomendada por ele. Aliar isso à família, uma boa gestão e pensar no futuro significa 100% de chance para alcançar os objetivos. “O sucesso vem de um trabalho bem planejado. Quando começo uma obra, já a tenho, pronta, na minha cabeça”, disse.
“Você não pode olhar o passado nem o que já tem. Tem que olhar para frente. Hoje você está bem, amanhã, você não sabe. Dinheiro não aguenta desaforo”, profetizou. Simão nunca gastou mais do que 15/20% do que ganha, exceto no início dos empreendimentos. Conta que a época da inflação foi excelente para ganhar dinheiro. “Comprava o material de construção com 180 dias para pagar porque se deixasse para o outro mês, o preço já estava bem acima”, disse.
O estoque, na opinião do empresário, é o que leva ao progresso, assim como executar uma obra rápida. “Você ganha na compra do material. Por exemplo, compro o piso agora e estoco, pois daqui a seis meses, ele estará com outro preço. O custo da obra também cai se o empreendimento ficar pronto mais rápido”, recomendou.
Generosidade com o próximo
Ele diz que se considera controlador, mas na verdade, em minha opinião, ele é um patriarca de mão cheia. E não só com os próprios descendentes. Ele é pai de Marias e Josés. Chegou a pagar 30 faculdades por mês de gente que nunca viu. E ainda o faz. Não teve instrução nem o hábito de ler. Fez tudo na coragem. Simão não soube o que é brincar e ser criança. Tudo na vida de Simão é bem pensado. Iniciou suas atividades como vendedor ambulante de charque e embutidos no tamanho da demanda das donas de casa. Batia a meta e nada sobrava para o dia seguinte. Pouco tempo depois, cultivou a própria horta -, uma horta diferenciada para fidelizar o cliente, que consistia numa disposição uniforme e organizada para garantir que as folhas e verduras tivessem o mesmo tamanho.
Casamento, filhos
Do primeiro casamento, com a prima Vera Lúcia Sarkis nasceu Wagner, Juscelino, Cláudio e Cristiane. Foram 25 anos de união sólida e harmoniosa. O nome do segundo filho é uma homenagem ao Juscelino Kubistchek. “É um orgulho para mim. Lembro-me dele no meu aniversário quando criança”, disse Juscelino Sarkis ao mostrar as fotos.
Com a segunda esposa, Dalci Eustáquio, veio ao mundo o Fabrício. Todos os filhos são empresários. Tem ainda uma filha, a Elizabeth, fruto de uma relação de seis anos com Rosa Maria Machado.
Aos 80 anos, Simão mantém ainda uma agenda intensa de trabalho. Tem uma saúde de ferro e muita disposição. Um dos lugares prediletos é a sua ilha, a Ilha do Boi, na represa da Usina Hidrelétrica de Três Marias (MG).
Wagner, o filho mais velho, formou-se em Administração. De acordo com ele, a divisão do patrimônio foi um divisor de águas -, momento de grande aprendizado para a história da família, quando a divisão das empresas enfraqueceu ao invés de fortalecer. Wagner diz que tem o raciocínio rápido, mas não tão rápido quanto o do pai.
Juscelino, o segundo filho, abandonou o curso de Administração para trabalhar no Garvey Hotel. Além do hotel, muitas obras estavam em execução. As folhas de pagamento eram aos sábado. E era preciso se virar para organizar o dinheiro em espécie nos envelopes para pagar um número considerável de operários. Hoje, ele tem uma fábrica de laminação a frio de aço, uma pedreira pela SKS Mineração e uma imobiliária. Tem orgulho do meu pai. “Ensinou-nos princípios de vida. É um visionário”, disse.
Cláudio, formado em economia, auxiliou na colocação dos tubos do Garvey Hotel quando pré-adolescente. Ele sempre ajudava nas obras. Em 2004, com o rateio das empresas, fundou a Polis Participações e Empreendimentos, no ramo de locações de salas comerciais.
Cristiane formou-se em administração de empresas e diz ter aprendido com o pai, os valores de família, cidadania e religiosidade. Atrela os mesmos valores à mãe.
Fabrício é administrador de empresas e diz ser um felizardo de ter o Simão como pai. “Tenho muito orgulho de sua história. Saber que ele chegou em Brasília quando tudo era só poeira e obras, e ajudou de forma aguerrida em sua construção e desenvolvimento. Isso tudo além de me orgulhar me emociona”, disse.
Elizabeth, arquiteta, diz que apesar da distância territorial, Simão sempre fora muito presente na vida dela. Ela morava em Uberlândia antes de ingressar na universidade em Brasília. E a visitava pelo menos três vezes por mês, além de gastar as férias ao seu lado.