Em dezembro de 2019 a Organização Mundial da Saúde foi notificada por um aumento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG, em português, SARS, em inglês) em Wuhan, na China, cuja etiologia ainda não estava esclarecida. Em janeiro de 2020 o patógeno foi identificado e sequenciado: um novo coronavírus (2019-nCoV) era o responsável pelo surto. Em fevereiro de 2020 esse agente foi nomeado Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) pelo Comitê internacional de classificação viral. A doença provocada pelo vírus SARS-CoV-2 foi denominada Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), de acordo com a OMS. Nesse mesmo período, foi identificado o primeiro caso no Brasil. Em 11 de março de 2020 a OMS declarava pandemia pelo SARS-CoV-2. Em 20 de março já ocorria transmissão comunitária no Brasil.
Desde então, as infecções pelo novo vírus vêm aumentando de forma vertiginosa no mundo, atualmente com mais de 135 milhões de pessoas infectadas, com mais de 2.900.000 mortes. A taxa de letalidade (proporção entre mortes/ infectados) geral é de cerca de 2,2% globalmente, aumentando muito mais entre os idosos. Em números absolutos, o Brasil é um dos três países mais afetados no planeta.
O SARS-CoV-2 é altamente transmissível. A principal forma de transmissão desse vírus é por meio de gotículas respiratórias contaminadas. Essas gotículas são liberadas durante a fala, respiração, tosse e espirros. O vírus é transmitido, então, de uma pessoa infectada para outras, se houver contato próximo a menos de 1,5 metro, aproximadamente, quando essas gotículas atingem diretamente as vias aéreas e são inaladas por outras pessoas. Uma outra forma de contágio é a indireta, quando as gotículas respiratórias atingem as superfícies próximas ou as mãos de alguém, que, sem a higiene adequada, leva as mãos contaminadas às mucosas, permitindo que o vírus entre nas vias aéreas e inicie o processo infeccioso. Outras maneiras de transmissão possíveis, que ainda precisam ser melhor esclarecidas, incluem (1) a inalação de aerossóis (diminutas partículas, eliminadas durante a respiração, que permanecem suspensas no ar por longos períodos) contaminados, (2) via placentária durante a gestação (transmissão vertical) e (3) via gastrintestinal (fecal-oral), ainda discutível.
A transmissão inicia cerca de 2 – 3 dias antes do início dos sintomas e pode permanecer até 7 a 20 dias após o início do quadro sintomático, sendo o período mais prolongado em pessoas com comprometimento imunológico ou em casos graves. Apesar da quantidade de vírus ser maior nas vias respiratórias durante os primeiros dias do início dos sintomas, sabe-se que é possível a transmissão viral mesmo em indivíduos assintomáticos.
Quando o vírus entra nas vias aéreas, o que acontece?
De forma simplificada, o SARS-CoV-2 entra nas células humanas por meio de ligação entre a proteína Spike (S) viral e os receptores celulares ACE2 (do português, enzima conversora de angiotensina 2). Com essa junção, o material viral pode ser replicado dentro das células e liberado para infectar novas células, levando a um processo inflamatório e aos sintomas da doença.
A apresentação clínica da infecção pelo novo coronavírus é bastante variada, podendo ser desde assintomática até a evolução grave e fatal. Os sintomas podem aparecer, em geral, entre 2 a 14 dias após a exposição ao vírus, mais comumente entre 4 e 6 dias.
A forma mais comum é a de sintomas leves, como a síndrome gripal.
A minoria dos indivíduos pode apresentar dificuldade para respirar e/ou quedas na oxigenação sanguínea (a chamada Síndrome Respiratória Aguda Grave), trombos vasculares e outras manifestações graves. A apresentação grave pode estar relacionada a mecanismos genético- ambientais e a fatores de risco como idade avançada, obesidade e comorbidades, apesar de não necessariamente ser assim. Pesquisas buscam encontrar marcadores para identificar os indivíduos predispostos à forma grave, bem como formas de tratamento eficazes, mas ainda não há respostas consistentes.
Nas crianças pode também ocorrer, raramente, uma forma hiper-inflamatória associada ao SARS-CoV- 2. É a chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P ou MIS-C), que provoca uma resposta inflamatória exagerada e compromete vários órgãos vitais.
Sinais de gravidade, que merecem avaliação imediata em pronto-atendimentos, incluem: dificuldade para respirar, confusão mental, dificuldade para manter-se acordado, palidez ou coloração azulada dos lábios ou pele, saturação de oxigênio menor ou igual a 93%, sinais de desidratação e/ou dificuldade para ingestão de líquidos.
O diagnóstico da COVID-19 é confirmado quando há detecção do SARS-CoV-2 no RT-PCR (padrão-ouro) ou no teste de detecção de antígenos em amostras respiratórias, mais comumente na nasofaringe. O diagnóstico também pode ser feito por critério clínico-epidemiológico, ou seja, alguém com sintomas de COVID-19 que teve contato próximo recente com indivíduo sabidamente infectado pelo vírus.
Crianças têm infecção grave e fatal pelo SARS-CoV-2?
Sim, a apresentação grave e fatal da COVID-19 em crianças pode ocorrer. A forma grave é muito menos frequente nas crianças, quando comparamos aos adultos e idosos, sendo relatada em menos de 1% das crianças infectadas. Uma das formas graves de apresentação da COVID-19 nas crianças, descritas durante a pandemia do novo coronavírus, é a SIM-P (MIS-C), potencialmente fatal.
Sintomas gerais de COVID-19:
Febre, tosse, obstrução nasal, coriza, perda de olfato ou paladar (raro em crianças), dor de garganta, diarreia, náuseas, vômitos, dor abdominal, prostração, dor muscular ou dores pelo corpo, cansaço/ fraqueza, dor de cabeça, perda de apetite, dificuldade para se alimentar, dificuldade para respirar, entre outros.
Muitas hipóteses são discutidas acerca da relativa proteção das crianças para as formas graves de COVID-19, como a menor expressão dos receptores ACE2 nas células, proteção cruzada por vacinas ou exposição a outros coronavírus, entre outras, mas ainda não são completamente elucidadas.
O que fazer se estiver com sintomas de COVID-19?
Inicialmente é preciso manter a calma… Por maior que seja a tempestade, vai passar. Sabe-se que a maioria das pessoas têm as formas leves da doença. Ocupe a mente com atividades agradáveis para você. Isole-se. De preferência, fique dentro de um cômodo com banheiro separado dos outros membros da casa, com portas fechadas e janelas abertas. Se precisar sair do cômodo, faça uso de máscara e evite tocar nos objetos ou sentar-se em locais compartilhados com outras pessoas da família. Caso isso ocorra, higienize com desinfetantes (por exemplo, água e sabão, álcool a 70% ou outros). Permaneça em isolamento por pelo menos 10 dias a partir da data de início dos sintomas (ou do resultado positivo do RT-PCR caso assintomático). Algumas pessoas precisam ficar isoladas por mais tempo (20 dias), especialmente as que foram internadas ou as que têm algum comprometimento imunológico. Por isso, consulte o seu médico. Avise aos contactantes próximos, trabalho, escola.
O que fazer se alguém teve contato próximo com uma pessoa infectada?
Fazer quarentena por 14 dias* do último contato com a pessoa infectada, ou seja, permanecer
em área/ quarto na casa, ventilado, separado dos demais membros, e com banheiro próprio, se apresentar sintomas, conduzir como caso suspeito de COVID-19, realizar RT-PCR para SARS-se possível. Separar os utensílios e toalhas dos demais membros da casa. Monitorizar sintomas e saúde mental; CoV-2 sempre que possível e fazer o isolamento por 10 dias a partir do início dos sintomas
(vide acima).
Há possibilidade de abreviar a quarentena para cerca de 7-10 dias, se o teste de RT-PCR na nasofaringe entre o 5o. e o 7o. dia do contato for não-detectável (negativo), de acordo com as recomendações vigentes.
O que significa contato próximo?
- ? Até cerca de 1,5 metro por 15 minutos ou mais ao longo de 24h (de forma contínua ou
acumulativa), mesmo com máscara (não se aplica para os profissionais de saúde); - ? Desprotegido (sem máscara) a menos de 1,5 metro por qualquer tempo, por exemplo em
pausas para o lanche; - ? Contato físico e/ ou compartilhamento de utensílios para alimentação ou bebida (copos
talheres etc); - ? Contato intra-domiciliar;
- ? Mesma sala de aula (coorte ou “colmeia”) e/ ou ônibus escolar; ou
- ? Profissional da saúde sem equipamento de proteção individual adequado.
Formas de prevenção:
- Use máscaras adequadamente, exceto crianças abaixo de 2 anos de idade ou com alguma condição que dificulte o manuseio das máscaras e possa levar a sufocação, por exemplo, transtornos neurológicos. Para crianças de 2 a 5 anos o uso (ou não) da máscara deve ser individualizado, dependendo de características comportamentais de cada criança. Não devemos pegar na parte frontal da máscara: o manuseio deve ser nos elásticos, evitando contaminação. As máscaras devem ter preferencialmente 2 a 3 camadas, devem fechar adequadamente a área do nariz e boca e não devem ter válvulas. Caso precise usar o faceshield (profissionais expostos a gotículas de pacientes infectados) esse não deve ser usado isoladamente, sempre deve ser acompanhado da máscara por baixo.
- Mantenha distância de ao menos 1,5 metro das pessoas que não moram na mesma casa, mesmo que sejam da mesma família. Evite apertos de mão e tocar nas outras pessoas.
- Evite encontros com outros núcleos familiares, mesmo com o argumento “eles também estão isolados”. Evite aglomerações.
- Higienize as mãos com frequência e de forma adequada, por exemplo, usando água e sabão ou álcool em gel a 70%. Evite usar toalhas para secar as mãos fora de casa (prefira toalhas de papel).
- Busque atividades ao ar livre e evite ambientes fechados.
- Não compartilhe objetos.
- Mantenha hábitos saudáveis de vida.
- Fique em casa se estiver com sinais de infecção aguda.
- Dê exemplo de cidadania e cuidado com o outro, as nossas crianças observam o nosso comportamento mais do que nossas palavras. Essas medidas de prevenção mostram que não cuidamos somente de nós mesmos, mas principalmente nos preocupamos em proteger os que estão ao nosso redor.
Sobre as escolas:
Muitas famílias perguntam sobre levar ou não os filhos para a escola durante a pandemia. Não há uma reposta certa ou única para isso, é muito individual.
Mesmo sabendo que a escola é um ambiente seguro, quando cumpre os protocolos de forma rígida, a saída de casa por qualquer que seja o motivo leva a riscos variáveis.
Para ajudar as famílias a chegar numa decisão mais adequada para aquela criança/ adolescente, sugiro ponderar alguns pontos:
- A criança/ adolescente tem acesso ao ensino on-line adequado? Está tranquilo com o ensino à distância? Está aprendendo relativamente bem com essa modalidade? Qual a idade da criança? Mora com idosos na casa?
- Por outro lado, está sofrendo violência ou transtornos por causa do isolamento? A escola/ familiares cumprem os protocolos de segurança adequadamente?
- Como estão as taxas de transmissibilidade viral (rt) na cidade nesse período? Como estão os leitos hospitalares na cidade nesse momento?
- Sabe-se que a maioria das crianças têm a forma leve da doença e, ao mesmo tempo, há relatos de sofrimento intenso de grande parte delas com o isolamento.
A depender para qual lado essa “balança” pese, a decisão fica menos difícil para as famílias.
É importante salientar a importância do acesso das crianças e adolescentes à escola, como atividade essencial e garantida. Que esse ambiente escolar seja seguro e que, por outro lado, também seja garantido o ensino híbrido (presencial e à distância) para todos.
Uma reflexão sobre a pandemia….
Desde que foi declarada a pandemia do novo coronavírus, em 2020, nos deparamos com situações difíceis, desafiadoras e nunca antes vividas pela maioria de nós… Precisamos ficar em casa na maioria do tempo, esgotando quase toda a nossa criatividade com as crianças, tentando manter-nos firmes e destemidos, mesmo sabendo da nossa fragilidade e das muitas incertezas desse momento. Uma pluralidade de sentimentos antagônicos. É compreensível ficarmos nervosos, pensarmos que não vamos dar conta, acharmos a educação à distância complicada, ou mesmo termos ter receio de sair para o trabalho ou escola. Apesar do rápido e grande avanço da Ciência, é preciso ter paciência para o tempo necessário a conclusões de pesquisas e descobertas de novas soluções para a pandemia, que dura muito mais do que imaginávamos. Por isso, precisamos nos apoiar, mesmo que fisicamente distantes, mesmo muito cansados. Agora, mais do que nunca, é essencial que tenhamos resiliência e compaixão.
Busquemos o equilíbrio sempre.
Dra. Luciana de Freitas Velloso Monte
Pneumologista Pediatra e Mestre pelo Instituto da Criança/ HC/ Universidade de São Paulo; Coordenadora da Pneumologia Pediátrica do Hospital da Criança de Brasília José Alencar; Professora de Pediatria da Universidade Católica de Brasília;
Vice-presidente da Sociedade de Pediatria do DF.
Abril de 2021.
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