21.5 C
Brasília
quinta-feira, novembro 21, 2024

A negação da crise e a banalização da morte

Date:

Share post:

A saúde pública no Distrito Federal (DF) tem enfrentado uma grave crise, acentuada após a pandemia de Covid-19. Mas suas causas são anteriores: está no modelo de gestão adotado pelo GDF. As mortes, que nos últimos dias ocuparam manchetes, telejornais e redes sociais, revelam uma profunda falha no compromisso com a vida e o bem-estar da população. E o que mais preocupa é a falta de reação dos governantes. O Governador se recusa a falar, eximindo-se de uma responsabilidade que é dele, antes de ser da sua equipe. O chefe da Casa Civil, voz importante do GDF, nega o óbvio. Segundo afirmou, em coletiva de imprensa, “não há crise, não há caos na saúde do DF”.

Vamos aos fatos: nos últimos meses, três crianças perderam suas vidas em hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do DF, casos que levantam sérias questões sobre a qualidade do atendimento prestado. Anna Julia Galvão, de 8 anos, Jasminy Cristina de Paula Santos, de 1 ano, e Enzo Gabriel, também de 1 ano, são nomes que simbolizam a tragédia da negligência que vem penalizando milhares de pessoas, com consequências diversas. O menino, por exemplo, esperou cerca de 12 horas na UPA do Recanto das Emas por uma ambulância que o levasse a um leito de UTI – tempo suficiente para que sua condição se agravasse irreversivelmente.

A epidemia de dengue no DF é mais uma evidência gritante de como a má gestão pode ter consequências mortais. Apenas neste ano, foram registradas 365 mortes por dengue na Capital do País. Medidas preventivas, como a eliminação de focos do mosquito Aedes aegypti e campanhas educativas, não foram devidamente implementadas, refletindo um descaso preocupante com a saúde pública. Aliás, nunca é demais repetir: os recursos próprios do GDF aplicados às ações de prevenção restringiram-se à ridícula cifra R$ 21.301,70, o equivalente a 16 salários mínimos.

A criação do Núcleo de Transporte e Remoção de Pacientes pelo Instituto de Gestão Estratégica da Saúde do DF (IGESDF) é um outro exemplo. Anunciado como uma solução para melhorar a eficiência, o núcleo falhou em suas primeiras semanas de operação, como comprovado pelo caso do bebê que morreu após esperar 12 horas por uma ambulância. A terceirização do serviço de transporte, a um custo de R$ 57 milhões anuais, aponta para uma priorização de contratos e gestão financeira em detrimento das necessidades urgentes dos pacientes. Parece um balcão de negócios.

A deficiência no transporte de pacientes é um problema crônico no DF. A falta de ambulâncias, de condutores habilitados e a burocracia na manutenção dos veículos agravam a situação. Historicamente, o Serviço de Assistência Móvel de Urgência (SAMU) tem sido desviado de sua função principal de socorro pré-hospitalar para realizar transportes entre hospitais – uma distorção de sua missão original que compromete a eficácia do atendimento emergencial.

A Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde destacou que 61,73% do suporte avançado do SAMU foi usado para transporte de pacientes entre 2018 e 2022. Este trabalho que deveria ser feito por ambulâncias da Secretaria de Saúde. Apesar de medidas paliativas, como a contratação de motoristas temporários, a solução real requer uma reorganização completa dos recursos materiais e humanos do SAMU – e de toda a SES-DF.

Teria muitos outros exemplos a acrescentar. Mas estes são suficientes para trazer aqui, leitor, o conceito de necropolítica, desenvolvido pelo historiador Achille Mbembe: ele explica como a gestão da morte se integra às políticas públicas. O pesquisador argumenta que certas formas de poder determinam quais vidas são valorizadas e quais são descartáveis. Assim, cria-se um cenário onde o óbito se torna uma ferramenta de controle social: o que parece acontecer desde o auge da pandemia de covid-19. É como se uma vida valesse mais do que outra. E sabe a de quem vale menos nessa lógica? A das populações mais vulneráveis. E sabe quem são essas pessoas? A maioria é formada por usuários do SUS, que é público, gratuito e, em tese, universal.

No contexto do DF, o conceito de necropolítica parece se aplicar não só quando se negligencia a oferta e garantia de atendimento, mas, também, no modo como tratam das mortes: óbitos evitáveis, computados como ocorrências normais, no frio cálculo dos gestores públicos. A banalização dessas mortes, além de eticamente inaceitável, aponta para necessidade urgente de uma mudança de paradigma nos gabinetes de decisão do Buriti. O governo do DF precisa adotar uma abordagem mais humanizada, focada na prevenção, na infraestrutura adequada e no respeito à vida humana: e isso inclui seus servidores. As vidas das pessoas devem ser a prioridade absoluta. E qualquer coisa menos que isso é inaceitável. Ou se governa para a população ou se governa para os negócios.

Dr. Gutemberg Fialho

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Eixo Monumental

publicidade

Related articles

Saideira Studiozin

Após quatro anos promovendo um espaço criativo e acolhedor para todas as idades, o Studiozin se despede do...

Fogo de Chão e Label Rouge

Parceria garante ovos caipiras de qualidade e compromisso com sustentabilidadeCom o auxílio e consultoria da ONG Fórum Animal,...

Qual a relação entre saúde mental e qualidade de vida?

A saúde mental e a qualidade de vida estão intimamente conectadas e se influenciam mutuamente. O que fazemos...