O Instituto de Gestão Estratégica da Saúde do Distrito Federal (IGESDF) anunciou a criação do Núcleo de Transporte e Remoção de Pacientes, no dia 9 de maio. Esse núcleo deveria “permitir uma tomada de decisão assertiva e trazer mais eficiência ao Instituto”. Seis dias depois, um bebê atendido na Unidade de Pronto Atendimento do Recanto das Emas, morreu depois de esperar mais de 12 horas por uma ambulância que o levasse para o Hospital Materno Infantil de Brasília, onde tinha uma vaga de UTI esperando por ele.
O transporte de pacientes do IGES é feito por meio de serviço terceirizado, a um custo de R$ 57 milhões anuais. Até a criação do núcleo de transporte do Instituto, os pedidos de transporte de pacientes eram feitos diretamente pelas unidades de saúde administradas pelo IGES à empresa prestadora de serviço. Agora, passam a demanda para o núcleo, que deveria “organizar melhor os fluxos, além de determinar prioridades”. Essa medida de controle, no entanto, tem foco na gestão de contrato de prestação de serviço e não nas necessidades dos pacientes. Essa falta de foco e a terceirização de responsabilidades têm custo alto para pacientes e para os profissionais de saúde que se desdobram para tentar salvar vidas.
Casos como o ocorrido na UPA do Recanto das Emas, infelizmente, não são novidade e ocorrem, também, nas unidades administradas diretamente pela Secretaria de Saúde do DF. Recentemente, o Portal G1lembrou a história de um paciente, vítima de um AVC, que precisou de remoção do Hospital Regional de Ceilândia para uma UTI, há três anos. Depois de uma espera de 12 horas, a ambulância não chegou e o paciente não resistiu. A família deve receber uma indenização, mas isso não repõe a perda de uma vida.
Como em outras áreas, a deficiência no transporte entre hospitais nas unidades públicas de saúde é crônica: faltam ambulâncias, faltam condutores habilitados para serviço de socorro e o contrato de manutenção dos veículos existentes era, até poucas semanas, controlado pela Secretaria de Economia e não pela Secretaria de Saúde, o que só criava mais demora, porque o conserto das ambulâncias não era a prioridade.
A desorganização e o descaso são tão grandes que, ao longo dos anos, as ambulâncias do Serviço de Assistência Móvel de Urgência (SAMU) deixaram de fazer os atendimentos de socorro no asfalto (socorro pré-hospitalar) para fazer transporte de pacientes entre unidades hospitalares.
Segundo levantamento feito pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, 61,73% do suporte avançado (ambulâncias para socorro em casos graves) oferecido pelo SAMU foram usados para levar pacientes de uma unidade de saúde para outra, entre 2018 e 2022. Esse trabalho deveria ser feito por ambulâncias próprias da Secretaria de Saúde.
Em 4 de abril, a Promotoria deu 90 dias para a Secretaria apresentar um plano de ação de regularização de oferta de ambulâncias de frota própria e adequação dos recursos materiais e humanos do SAMU. Até agora, a SES fez um chamamento público para seleção de motoristas temporários (uma medida paliativa) e anunciar que vai contratar serviço terceirizado de suporte avançado. De novo, faz-se uma terceirização da responsabilidade por um serviço essencial que, se falhar, pode custar vidas.
E a deficiência do serviço não se restringe à falta de ambulâncias e motoristas. Em muitos casos, médicos têm que deixar a unidade de saúde em que atendem para acompanhar os pacientes removidos e quem está aguardando atendimento, é obrigado a esperar o retorno ou voltar outro dia – se houver um outro dia para esperar.
Criar centrais de controle e fazer contratações temporárias não vai solucionar o problema crônico do transporte de pacientes na rede pública de saúde do DF. O fato é que o GDF se perde em processos de gestão e não tem foco nas necessidades da população.
Especialmente desde a pandemia da covid-19, parece ter se tornado normal para os governantes assistir à ocorrência de mortes evitáveis em série e em grandes quantidades. As respostas vêm sempre como medidas emergenciais e paliativas quando a crise já está instalada – estão aí as tendas da dengue e as contratações emergenciais, sem licitação, para demonstrar isso. A oferta de serviços não vai melhorar enquanto o governo do DF não humanizar a visão do que é dar assistência à saúde da população. As vidas das pessoas vêm em primeiro lugar!