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quinta-feira, março 28, 2024

Daniel Briand: o francês pioneiro em Brasília.

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Daniel Briand: o francês pioneiro em Brasília.

Há quase 24 anos nascia o Café Daniel Briand -, era bem “petit” mesmo e já imponente com seus 27 metros quadrados, numa das extremidades da comercial 104 norte, de frente para o bosque. Uma portinha, entre um açougue e um bar, um pedacinho da França que nos deixava inebriados de amor com o aroma exalado dos croissants, pães de chocolate e baguetes. Amor à primeira vista, pois à segunda, apenas confirmava que fomos pegos em cheio pelo estômago “pour la vie”.

Por CAROLINA CASCÃO

Daniel Briand, o francês mais brasiliense, não usa boina nem blusa listrada, tampouco carrega uma baguete “tradition” embaixo dos braços. Mas sejamos clichês de vez em quando, francês que é francês precisa comer um croissant todos os dias (digo, aquele pãozinho amanteigado em forma de lua). Tão longe das terras do Liberté, Égalité, Fraternité”, algumas lacunas pessoais precisavam ser preenchidas quando chegou ao Brasil -, uma delas, o direito a um genuíno croissant francês.

Como uma coisa puxa a outra, juntou a fome com a vontade de comer, literalmente, e o sonho iminente de Daniel e da esposa brasileira Luiza Venturelli se transformaria em realidade, após muito trabalho e coragem, em 18/11/1995 -, data de inauguração do Daniel Briand – Pâtissier e Chocolatier. E de lá para cá, um croissant por dia é lei e pertence ao francês que nos proporciona a oportunidade de viver uma experiência num ambiente estilizado, bem aos moldes impressionistas.

Ao sentar no “terrasse”, de frente ao bosque, a qualquer hora do dia, impossível não tomar um sorbet de fruit de la passion (maracujá) ou framboise (framboesa), dispostos num romântico carrinho de sorvete, uma atração à parte: sob um toldo branco e listras na cor marsala, uma geladeira em tom pastel com elegante moldura, descansa sobre uma roda de bicicleta -, totalmente idealizado por Daniel.

O charme do estabelecimento é permanente, dia ou noite -, seja no “petit-déjeuner” (café da manhã), quando se tem três opções de “formules”, no “déjeuner” (almoço), no cafezinho despretensioso a qualquer hora ou no chá da tarde (Thé de l´aprés midi), com duas opções, a “formule spéciale” e a “traditionnelle”. O cardápio é bilíngue, em francês e português. E as formules consistem em menus já preparados especialmente para o café da manhã ou para o chá da tarde, com croissants, ovos, mini sanduíches, sucos, bebidas quentes -, de qualquer forma, todo o cardápio é disponível a qualquer hora. As “formules” são uma maneira prática para que o cliente deguste um pouco de cada clássico oferecido na Casa.

Cardápios com fotos de Luiza Venturelli

Aliás, o bistrot tem aroma de pão, alma de brioche, coração de macarrons (suspirinhos franceses) -, e como o corpo humano é complexo, para manter o funcionamento e a saúde dos órgãos em dia, vai bem uma quiche (torta salgada), uns vol-au-vents (massinhas folhadas), galettes (crepe aberto preparado com trigo sarraceno) e crepes , petits-fours (biscoitinhos salgados), croque-monsieur (uma espécie de misto quente francês) ou croque-madame (o mesmo misto acrescentado de um ovo), uma soupe d´oignon (sopa de cebola, muito tradicional). Impossível falar de todo o cardápio -, que, aliás, guarda as memórias em imagens, clicadas por Luiza Venturelli, em Paris, na época em que escrevia a tese sobre o doutorado em fotojornalismo brasileiro.

Luiza precisava voltar ao Brasil por questões profissionais. Mas não havia sentido deixar dois corações separados por um oceano. A França precisava vir a Brasília. Assim, aquele sonho do casal que começou em 1991, concretizou com a vinda de Daniel e com o café em funcionamento, em 1995. Quando se conheceram, Daniel ministrava aulas de confeitaria em Paris.

Completamente diferente do início, hoje com 40 funcionários, o estabelecimento abriu as portas com apenas quatro pessoas para dar conta de tudo: Daniel, Luiza, um garçom e um ajudante de cozinha. “É preciso começar humilde”, disse Daniel. O Café cresceu consideravelmente, a exemplo disso, algumas pessoas que formam a equipe estão há mais de 15 anos na Casa.

A fórmula para uma gestão de sucesso, de acordo com Briand, é conhecer bem os produtos e saber lidar com as pessoas. Ele acredita que a experiência que teve ao ministrar aulas a adolescentes foi um grande diferencial para que ele formasse uma equipe bem treinada. “Oferecer boas condições de trabalho mantém o bom funcionamento. Além de servir em louças bonitas e taças impecáveis e higienizadas. A estética harmoniza com o bom serviço”, diz Daniel. Outro ponto a destacar, extremamente positivo, é que todos os funcionários tiram férias juntos. O descanso coletivo é uma das provas de sucesso.

Filho de padeiro, padeiro é!

Filho de padeiro, Daniel Briand, não teria como fugir do destino durante muito tempo. A experiência em panificação estava no DNA, não à toa teria a mesma formação. Mesmo que ele tenha tentado “escapar” por um tempo…

Briand nasceu em 24/04/1951 numa pequena cidade, da região do Vale do Loire, chamada Segré, na França. Mas viveu em Angers -, cidade maior que oferecia mais condições e estrutura. Lá se dedicou à confeitaria por um tempo, mas queria mesmo era ganhar o mundo, aprender um pouco sobre tudo, viver novas experiências -, por isso partiu com mochila nas costas, por 10 anos, rumo à África, na década de 70. Chegou a trabalhar como Chef em uma cozinha por lá.

De volta à França, por acaso, ao preparar croissants para um grupo de crianças, ele decidiu ensinar a confeitaria a adolescentes. Anos depois, neste contexto, conheceu Luiza, para a nossa sorte -, o motivo de termos Daniel na cidade.

Briand é humilde e visionário -, os primeiros anos do Café, em Brasília, foram vividos entre um açougue e um bar, mas diante da bela vista para o bosque verde. Não se imaginava ainda um “terrasse” e suas lâmpadas coloridas, tão pouco o deck-, estruturas essas que vieram com o tempo, depois da grande reforma em 2008, quando o bistrot passou por uma grande repaginada e “afrancesou” ainda mais a esquina charmosa da cidade. Criava-se então um novo espaço, o deck avarandado com toldos e cortinas em linho.

A vitrine é a publicidade do café

Desculpe, estava na chácara ouvindo o barulho dos macacos. Podemos marcar de conversar amanhã?”, disse Daniel ao retornar a minha ligação, emendando uma gargalhada renovante. Nem consultei minha agenda -, estaria lá debaixo de chuva ou sol, com um lindo e sonoro “BONJOUR” (Bom Dia, em francês).

Sentados em charmosas cadeiras de madeira, sob uma mesa cuidadosamente decorada, ornada com toalha em tom “marsala” e outra elegante composição em tecido jacquard e tom pastel -, e um simpático arranjo com raminhos de lírios, em pequenos vasinhos coloridos, Daniel observava a reação das pessoas ao fazerem aquela parada estratégica diante da vitrine de doces franceses. “Esta é a nossa publicidade”, disse.

Disposição estética dos doces
Vitrine impecável refletindo o elegante toldo em linho e o verde das árvores

Da próxima vez que for ao Daniel Briand, aprecie a vitrine e a disposição estética das éclairs (conhecida por nós como bomba), das “óperas” (massa de amêndoas, creme de café e chocolate trufado), do “gâteau au chocolate” (bolo de chocolate em formato de meia esfera, uma pequena ilha com um ‘coqueirinho’ de chocolate), da tradicional “tarte aux pommes” (torta de maçãs) . Uma harmonia delicada exposta num envidraçado impecável, de tão limpo reflete o verde do bosque.

Parece-me que a “ópera”, além de ser a torta predileta ao meu paladar, é a vedete do bistrot. De acordo com Daniel, 40 kg dessa torta são produzidos semanalmente. Ufa, respirei aliviada. A viagem não seria perdida, tem “ópera” para toda a plateia.

Destaque especial aos Sorbets

Em sabores elegantes, os sorbets, sorvetes feitos sem leite e ovos, privilegiam o olfato e o paladar: framboise (framboesa), citron (limão), chocolat (chocolate belga), fruit de la passion (maracujá), baunilha (a autêntica), entre outros.

Coupe Delice (Sorbet de Framboesa
Foto: Divulgação.

Uma dica: nunca diga que o sorbet de baunilha é um sorvete de creme. Diga isso e verá um francês bem bravo e com expressão blasé (indiferente), bem típica.

Os sorbets de frutas agradarão até quem só acha graça em sorvetes de chocolates. Acabei cometendo dois dos sete pecados capitais, o da gula e da vaidade -, pois o próprio Daniel Briand, gentilmente, preparou uma tacinha singela, mas com um toque que fez toda a diferença: um biscoito petit-four sec sucres, chamado cigarette, que significa cigarro em francês.

No menu “Le Coupe Glacée”, de sobremesas geladas, se visualiza as taças de sorvetes e suas variações, como creme de marron (castanha portuguesa), chantilly da Casa, amêndoas, calda quente de chocolate -, em cinco versões: Coupe Châtaigne (castanha), Coupe Willians (pêra e framboesa), Coupe Délice (framboesa) Poire Belle-Hélene (pêra). Além das tradicionais sobremesas francesas, o profiteroles (carolinas recheadas com sorvete de baunilha e calda quente de chocolate) e a tarte tatin (torta quente de maça caramelada e sorvete de canela).

Numa obra impressionista de Rénoir

Sentar-se no “terrasse” do Daniel Briand é sentir-se numa obra impressionista de Pierre-Auguste Rénoir, mais precisamente “Le Déjeuner des Canotiers”, (O almoço dos canoeiros). A iluminação nos remete à varanda do Maison Fournaise, à frente do rio Sena, um restaurante que existe até os dias atuais, na “Île des Impressionistes” (Ilha dos Impressionistas), nos arredores de Paris, onde o artista Rénoir pintou a clássica obra.

Maison Fournaise
Foto:Le Parisian

À título de curiosidade, a canoagem era um esporte bem praticado entre os artistas e parisienses em 1860). O lugar era o point e super bem frequentado na época, característica em comum ao nosso Daniel Briand. Aliás, é um privilégio frequentar um ambiente que resgata tão bem uma cultura numa nostalgia positiva. Dificilmente se verá um “terrasse” tão verde em Paris…

Obra de Renoir, “Le Déjeuner dês Canotiers

As plantas dispostas “partout” (por todo o lugar), a pequena fonte de água para os passarinhos, a natureza exuberante e as luzes coloridas que acendem ao final do dia nos pegam pelas mãos para uma breve viagem ao Vale do Loire e ao interior da França.

Je suis revenu à Chatou à cause de mon tableau. Vous serez bien gentil de venir déjeuner. Vous ne regretterez pas votre Voyage, c´est l´endroit le plus joli des alentours de Paris”, Pierre-Auguste Renoir. (1880, carta escrita a um amigo)

(tradução: “Vim à Chatou por causa da minha pintura. Você será gentil ao vir almoçar. E não esquecerá essa viagem, é o lugar mais bonito aos redores de Paris”)

A carta escrita, no passado, no ambiente impressionista de Fournaise que seduziu outros artistas também como Manet, Maupassant e Degas, cairia como uma luva para descrever, hoje, o bistrot franco-brasiliense e suas lâmpadas amarelas e piso de azulejos no interior do estabelecimento.

A baunilha e o mel

Todos os produtos do bistrot são comprados aqui mesmo no Brasil, nada vem da França, com exceção à baunilha. Fator este que pesa no bolso, pois chega muito caro no país e é ingrediente primordial nas receitas de Daniel. Para deixar o bosque ainda mais bonito e quem sabe render uma boa baunilha, Daniel plantou duas mudas dessa aromática especiaria. “Não sei se vai dar certo…”, afirma Daniel. Se “ça va marcher” (vai funcionar), não se sabe, mas que é poético e lúdico, ah isso com certeza.

O mel, utilizado na fabricação dos bombons, é o de Jataí e vem do Pará. Difícil arrumar um bom mel, que além de verdadeiro, seja selvagem. Eu que o diga…

Incomodo? Je vous dérange?

Quando recebi a missão de entrevistar Daniel Briand senti que era alegria demais para uma Carolina só e ao mesmo tempo uma responsabilidade preocupante porque diante de tantos prêmios que o Café e Bistrot já acumulava em toda a sua história, além da experiência e destaque na cidade, na imprensa, pensei, “ele não vai ter disposição para contar toda a história”. Ele nem precisa…a elegante vitrine com doces clássicos franceses já dizem tudo. E outra: muito já havia dito e publicado, divulgado, todos já sabiam bastante. Era preciso ser autêntica, era preciso contar uma história usando a empatia -, era preciso se imaginar Daniel, se vestir de Daniel. E de Luiza também. Tarefa árdua para quem queria um texto impecável, à altura do bistrot. Não era o momento de Carolina entrar em entressafra literária.

Comecei com um “Bonjour” e um “Je vous dérange?”, Bom Dia e Incomodo?, respectivamente. O restante da história, você, leitor, acaba de vivê-la por meio das palavras acima.

Serviço:

Daniel Briand – Pâtissier e Chocolatier
Telefone: CLN 104, bloco A
Endereço: (61) 3326-1135
www.cafedanielbriand.com

 

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