GDF propõe redução no repasse de recursos para a FAP-DF
Texto do governador sugere a redução dos atuais 2% para 0,3%.
O corte pode chegar a R$ 300 milhões no próximo ano e representa um grave retrocesso no desenvolvimento de pesquisas e tecnologias
Por Larissa Leite
O governador Ibaneis Rocha encaminhou à Câmara Legislativa uma proposta de emenda à Lei Orgânica do Distrito Federal (Pelo 18/2019). O documento propõe a redução dos recursos destinados à Fundação de apoio à Pesquisa do DF (FAP-DF).
Atualmente, 2% da receita líquida do DF são repassados a fundação. Por meio de editais públicos, o órgão fomenta projetos de pesquisas envolvendo a comunidade acadêmica e também, incentiva o desenvolvimento de novas tecnologias. Além disso, a entidade atua no apoio a projetos de inovação, envolvendo, por exemplo as startups da região.
A proposta do governo seria dispor de apenas 0,3% da receita líquida do DF. O corte traria uma economia de mais de R$ 300 milhões por ano. O poder executivo alega que a redução se daria pela não utilização da totalidade dos recursos destinados à FAP-DF. No ano passado, a fundação teria usado cerca de R$ 50 milhões do orçamento.
O presidente regional da Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assepro-DF), Rodrigo Fragola confirma que “a FAP não tem consumido os recursos, mas isto tem muito mais relação com a gestão do que com as capacidades que temos na cidade. Brasília tem uma capacidade enorme de gerar tecnologia e inovação, que não está sendo utilizada”, alertou.
Contudo, o ecossistema de inovação, composto por acadêmicos, empreendedores e outros atores, reagiram de forma negativa a proposta do GDF. A redução orçamentária implica na redução de projetos, isto representaria um retrocesso por desencorajar o desenvolvimento de novas tecnologias. Dessa forma, “essa notícia caiu como uma bomba em tudo que estamos pensando. Fazemos parte de vários grupos e ninguém está muito satisfeito com isso”, afirma Fragola.
Análise do possível corte
Atuante e reconhecida pelo engajamento dentro do ecossistema de inovação, empreendedorismo e startups do DF, Carine Elpídio, que organizou pelo segundo ano consecutivo o Hackton da Nasa, lembra os benefícios que o poder público e a sociedade recebem com o investimento em tecnologia, inovação e educação. “Eu faço vários estudos sobre a relação política fiscal, e o quanto de despesa pública hoje está atrelada a inovação. Por exemplo, nos países do G20, de 2000 a 2010, existe inovação orientada ao crescimento, quanto mais você desenvolve a inovação, mais a economia cresce”, explica.
A empreendedora acredita que o Estado deveria agir como um ente global empreendedor, isto se dá por conta da capacidade de criar políticas e influenciar diversos setores da sociedade. Como resultado, existiria um ambiente favorável à inovação, que traria ao poder público o retorno, seja social ou financeiro, sobre o investimento realizado.
Para Carine, a proposta do governador representa um grave retrocesso e um desconhecimento da área e dos estudos realizados. Afinal, como ela explica, usando a pesquisa realizada nos Países do G20, é possível medir o retorno ganho. “Fazendo uma relação em reais, a cada real investido em inovação, o retorno foi de R$ 9,52. Na educação, cada real investido, o retorno foi de dois”, constata. Olhando para dados no Brasil, a especialista destaca que, em 2017, a cada R$ 1 investido na Embrapa, o retorno foi R$ 11,06.
O conhecimento poderia ser um dos propulsores da economia do DF. A região conta com o maior percentual de mestres e doutores do país, que atuam em diversas áreas. Contudo, grande parte deles não atuam no setor produtivo. “O desafio para mim é atrair estes doutores das universidades, a partir desta economia do conhecimento, para o empreendedorismo. Quando eu realizo uma maratona (Hackton da Nasa) dentro de uma universidade, com a participação de empreendedores e doutores, é para que possamos criar esse ecossistema. Para mim, um ecossistema se forma a partir disso e se tem resultado”
Sobre o desempenho e a mudança da gestão dentro da FAP-DF, Carine reconhece que no passado, a fundação teve problemas, mas que nos últimos seis meses houve uma melhora na execução e atuação do órgão. Entretanto, ela ainda sente a falta da participação da sociedade civil (os empreendedores), agentes públicos mais capacitados e a redução da burocracia.
Caso seja aprovada na Câmara Legislativa, o corte pode significar o fim do projeto de educação do GDF, o contraturno digital. Outra iniciativa que pode ser atingida é a implementação da universidade digital, que contaria com uma parceria com a Microsoft.
“O Governo precisa conversar com as pessoas (empreendedores e acadêmicos) para saber como e onde alocar os recursos para ter retorno social e não para fazer política e marketing”, avalia Carine Elpídio.
Outros caminhos
Atualmente, a FAP-DF ocupa o papel de destaque para prover o investimento, e o fomento para o desenvolvimento de novas tecnologias e novos formatos de negócio. Contudo, como ressalta o presidente da Assepro-DF, “existem outros mecanismos no Governo Federal, existem outras agências de fomento que podem ser criadas, existem formas de atrair capital individual, como fundos de investimento, aceleradores, investidores anjo, tudo isto na área privada”
Apesar de existir outros caminhos, a fundação “tem um papel muito importante nas atividades estruturantes, que são aquelas que envolvem risco muito alto para começar, mas quando se começa essas atividades é possível trazer recursos de outras áreas”, explica Rodrigo Fragola.
Mais reações
O senador Izalci, durante participação em um evento na Universidade de Brasília (UnB), nesta quinta-feira, criticou a proposta de Ibaneis Rocha. “O governo está na contra-mão da história. Vamos acabar sendo penalizados mais uma vez. Os 2% de hoje representam mais de 360 milhões, poderiam financiar muitos projetos e preparar o DF para a vocação dele que é a área do conhecimento, da tecnologia e da inovação”. O parlamentar ainda destacou a importância da mobilização da comunidade acadêmica para pressionar a não aprovação desta proposta.
Mobilização
A Assespro-DF está se mobilizando e segue construindo uma articulação política com o poder executivo, representada pela Secretaria de Ciência e Tecnologia, e também no legislativo, com reuniões com os deputados distritais. “Precisamos trabalhar no sentido de evitar que essa redução não passe”, finalizou Rodrigo Fragola.