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terça-feira, março 25, 2025

Herói ou vilão? A complexidade humana que a gente ignora

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Definir alguém como herói ou vilão é uma tentativa de simplificar algo extremamente complexo: o comportamento humano. Na vida real, diferentemente das novelas ou dos filmes, ninguém é completamente bom ou mal. Somos todos uma mistura de luz e sombras, e qualquer tentativa de nos reduzir a um estereótipo pode ser um sinal de que estamos ignorando aspectos fundamentais da natureza humana. Afinal, cada pessoa carrega em si o potencial para fazer o bem ou o mal, dependendo do contexto, das circunstâncias e das influências.
Um exemplo interessante vem da filosofia de Sócrates, que acreditava que ninguém faz o mal voluntariamente. Para ele, todo ato ruim é fruto da ignorância. Ou seja, o “vilão” é, na verdade, alguém que desconhece o bem. Se formos seguir essa lógica, podemos dizer que todos somos capazes de praticar tanto o bem quanto o mal, dependendo do quanto sabemos sobre o impacto de nossas ações. Isso mostra que as fronteiras entre heróis e vilões são muito mais nebulosas do que parecem.

A Bíblia também reforça essa complexidade. No Evangelho de João, Jesus confronta uma multidão que queria apedrejar uma mulher acusada de adultério. Ele disse: “Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela” (João 8:7). Essa passagem é um lembrete poderoso de que, ao julgar os outros como vilões, ignoramos nossos próprios erros e fragilidades. É mais fácil condenar do que entender, mas esse ato de condenação revela mais sobre quem julga do que sobre quem é julgado.

Outro ponto de vista interessante vem de Carl Jung, o famoso psicólogo que desenvolveu a teoria da “sombra”. Ele afirmava que todos temos um lado sombrio, ou seja, aspectos de nós mesmos que preferimos não reconhecer. Segundo Jung, a sombra é a parte reprimida da personalidade, composta por traços que a sociedade, ou nós mesmos, julgamos inaceitáveis. Muitas vezes, projetamos esses traços nos outros, transformando-os em vilões para não encarar nossa própria escuridão. “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta”, dizia Jung. Essa frase reflete a ideia de que, ao compreender e aceitar nossas próprias sombras, podemos entender melhor as dos outros.

Em vez de ver as pessoas como heróis ou vilões, talvez seja mais produtivo tentar entender suas histórias, seus dilemas e os fatores que moldam suas decisões. O sociólogo Zygmunt Bauman falou sobre isso em sua obra Modernidade Líquida, argumentando que a sociedade contemporânea nos pressiona a rotular as pessoas rapidamente, sem considerar suas nuances e contradições. Bauman defendia que vivemos em um mundo de incertezas, onde as identidades são fluidas, e isso torna ainda mais difícil categorizar alguém de forma definitiva.

No fundo, o desejo de classificar os outros em heróis ou vilões pode ser uma tentativa de simplificar um mundo complicado demais para nossas mentes. Isso nos dá uma sensação temporária de controle e compreensão, mas a verdade é que a vida é muito mais rica e imprevisível do que qualquer rótulo. Cada pessoa carrega uma complexidade infinita de emoções, experiências e escolhas que a tornam impossível de ser encaixada em uma caixa tão estreita.

Portanto, ao invés de perguntar se alguém é herói ou vilão, deveríamos perguntar: o que levou essa pessoa a agir dessa forma? Qual é a história por trás das ações? Só assim podemos começar a entender a verdadeira natureza humana, que vai muito além das definições simplistas. Como dizia Nietzsche, “Quem luta com monstros deve cuidar para não se tornar um”.

José Adenauer Lima
Formado em economia, com pós-graduação em Estratégia pela ADESG. Especialização em filosofia clássica.Trabalha no Poder Legislativo do DF há 32 anos nas áreas de orçamento público e processo legislativo.

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