Definir alguém como herói ou vilão é uma tentativa de simplificar algo extremamente complexo: o comportamento humano. Na vida real, diferentemente das novelas ou dos filmes, ninguém é completamente bom ou mal. Somos todos uma mistura de luz e sombras, e qualquer tentativa de nos reduzir a um estereótipo pode ser um sinal de que estamos ignorando aspectos fundamentais da natureza humana. Afinal, cada pessoa carrega em si o potencial para fazer o bem ou o mal, dependendo do contexto, das circunstâncias e das influências.
Um exemplo interessante vem da filosofia de Sócrates, que acreditava que ninguém faz o mal voluntariamente. Para ele, todo ato ruim é fruto da ignorância. Ou seja, o “vilão” é, na verdade, alguém que desconhece o bem. Se formos seguir essa lógica, podemos dizer que todos somos capazes de praticar tanto o bem quanto o mal, dependendo do quanto sabemos sobre o impacto de nossas ações. Isso mostra que as fronteiras entre heróis e vilões são muito mais nebulosas do que parecem.
A Bíblia também reforça essa complexidade. No Evangelho de João, Jesus confronta uma multidão que queria apedrejar uma mulher acusada de adultério. Ele disse: “Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela” (João 8:7). Essa passagem é um lembrete poderoso de que, ao julgar os outros como vilões, ignoramos nossos próprios erros e fragilidades. É mais fácil condenar do que entender, mas esse ato de condenação revela mais sobre quem julga do que sobre quem é julgado.
Outro ponto de vista interessante vem de Carl Jung, o famoso psicólogo que desenvolveu a teoria da “sombra”. Ele afirmava que todos temos um lado sombrio, ou seja, aspectos de nós mesmos que preferimos não reconhecer. Segundo Jung, a sombra é a parte reprimida da personalidade, composta por traços que a sociedade, ou nós mesmos, julgamos inaceitáveis. Muitas vezes, projetamos esses traços nos outros, transformando-os em vilões para não encarar nossa própria escuridão. “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta”, dizia Jung. Essa frase reflete a ideia de que, ao compreender e aceitar nossas próprias sombras, podemos entender melhor as dos outros.
Em vez de ver as pessoas como heróis ou vilões, talvez seja mais produtivo tentar entender suas histórias, seus dilemas e os fatores que moldam suas decisões. O sociólogo Zygmunt Bauman falou sobre isso em sua obra Modernidade Líquida, argumentando que a sociedade contemporânea nos pressiona a rotular as pessoas rapidamente, sem considerar suas nuances e contradições. Bauman defendia que vivemos em um mundo de incertezas, onde as identidades são fluidas, e isso torna ainda mais difícil categorizar alguém de forma definitiva.
No fundo, o desejo de classificar os outros em heróis ou vilões pode ser uma tentativa de simplificar um mundo complicado demais para nossas mentes. Isso nos dá uma sensação temporária de controle e compreensão, mas a verdade é que a vida é muito mais rica e imprevisível do que qualquer rótulo. Cada pessoa carrega uma complexidade infinita de emoções, experiências e escolhas que a tornam impossível de ser encaixada em uma caixa tão estreita.
Portanto, ao invés de perguntar se alguém é herói ou vilão, deveríamos perguntar: o que levou essa pessoa a agir dessa forma? Qual é a história por trás das ações? Só assim podemos começar a entender a verdadeira natureza humana, que vai muito além das definições simplistas. Como dizia Nietzsche, “Quem luta com monstros deve cuidar para não se tornar um”.

Formado em economia, com pós-graduação em Estratégia pela ADESG. Especialização em filosofia clássica.Trabalha no Poder Legislativo do DF há 32 anos nas áreas de orçamento público e processo legislativo.