A metáfora da onda percebendo que é parte do oceano traz uma profunda reflexão sobre a jornada da consciência humana. Ela representa o momento em que o indivíduo percebe que não está isolado, mas que faz parte de algo maior — a totalidade da vida, o universo, ou, como alguns diriam, o divino. Esta percepção é o que muitos chamam de iluminação.
A onda, inicialmente, se vê como uma entidade separada, agindo por conta própria, com seu início e fim, como se sua existência fosse limitada ao seu formato. Assim somos nós, em nossa vida cotidiana, identificados com o corpo, o ego e as circunstâncias. Vivemos com a ideia de que somos seres isolados, desconectados dos outros, presos a preocupações e sofrimentos individuais. O famoso filósofo René Descartes, em sua máxima “Penso, logo existo”, refletiu a visão da separação entre mente e mundo. Para muitos, isso resulta em uma vida centrada apenas no *eu*, no individualismo.
Mas e se, em algum momento, nos dermos conta de que somos mais do que apenas essa “onda” isolada? Quando a onda reconhece que faz parte do oceano, ela se reconecta com a fonte de onde veio. Essa é a verdadeira iluminação: o reconhecimento de que somos parte de algo maior, e que essa conexão é inquebrável.
No contexto espiritual, essa é uma lição repetida ao longo da história. No cristianismo, Jesus afirmou: “Eu e o Pai somos um” (João 10:30). Esta afirmação reflete a consciência da unidade entre o indivíduo e o divino. Para além das crenças religiosas, essa visão de interconectividade aparece em várias filosofias. O budismo, por exemplo, ensina que a separação é uma ilusão — o que chamam de “maya”. Quando essa ilusão é quebrada, surge a *nirvana*, um estado de plenitude e união com o todo.
Essa percepção da nossa verdadeira natureza muda a forma como vemos o mundo. Quando nos vemos como uma onda, preocupamo-nos em competir, sobreviver e destacar-nos em relação às outras ondas. Mas quando entendemos que somos o oceano, a competição se dissolve, e surge o sentimento de unidade. O pensador místico Rumi dizia: “Tu não és uma gota no oceano. Tu és o oceano inteiro numa gota”. Essa frase nos lembra que dentro de nós há toda a potencialidade da existência, e que a nossa essência está profundamente conectada ao universo.
Essa visão de interdependência também pode ser explicada pela física moderna. No campo da física quântica, cientistas como Erwin Schrödinger afirmaram que não existe separação real entre as coisas — tudo no universo está intrinsecamente ligado. Esta ideia, em essência, aproxima-se da metáfora da onda e do oceano, onde cada parte está conectada ao todo, e nenhuma pode ser verdadeiramente isolada.
Compreender que somos o oceano traz um profundo alívio. As ansiedades sobre sucesso, fracasso e até a morte perdem o peso que costumavam ter. O medo da morte, por exemplo, é um grande sofrimento para muitos, pois pensamos que nossa existência acaba, assim como a onda parece “morrer” ao se quebrar na praia. No entanto, quando a onda se desfaz, ela apenas retorna ao oceano — ela nunca deixou de fazer parte dele. Assim, compreender que somos o oceano nos ajuda a lidar com o ciclo natural da vida e da morte, reconhecendo que, embora nossas formas mudem, a essência permanece.
Portanto, a iluminação é esse estado de consciência expandida, em que o indivíduo reconhece que é mais do que apenas uma parte isolada. É quando percebemos que somos uma expressão do todo, que nossa verdadeira natureza é vastidão e conexão. Assim como a onda nunca deixou de ser o oceano, nós nunca deixamos de ser parte do universo. É essa compreensão que nos liberta, que nos traz paz, e que nos permite viver de forma mais plena e compassiva.
A iluminação, então, não é um destino inalcançável. Está disponível no momento em que nos permitimos olhar além da superfície, além das ilusões, e reconhecer que sempre fomos, e sempre seremos, o próprio oceano.