Um ano atrás
Marcamos de encontrar numa padaria na Asa Sul. A manhã estava quente, especialmente para quem anda de terno e gravata. Cheguei e me sentei em uma mesa num jardim que dava para a quadra. Ela chegou depois e conversamos rapidamente.
– Você pode escrever coisas sobre o cotidiano de Brasília…
Aceitei a tarefa. Entrei no carro e dirigi até o trabalho. No rádio, ouvi que ia ser dia de baixa umidade e que, segundo recomendação da OMS, a gente devia beber muita água e evitar fazer atividade física.
Trabalhei de manhã, almocei e levei as meninas na escola. Correria. Rápido senão papai se atrasa para o trabalho. Pega as mochilas, arruma o cabelo, cadê o tênis? Olha aquele ipê amarelos, que bonito! Tira da cadeirinha, cuidado com o carro, dá a mão, vamos até a sala, tchau, boa aula!
Trabalho de novo. Encontros com colegas, mãos estendidas, apertos de mão. Um pouco de trânsito na volta para casa. Padaria cheia de gente esperando na fila do pão e depois na fila do caixa. Jantar em casa, tenho uma novidade: vou escrever crônicas quinzenais para o site 61 Brasília. É, sobre o cotidiano de Brasília!
O primeiro texto vem com um tema clássico para o mês de agosto: a seca de Brasília e um cálculo para determinar qual a data da última chuva. Alguns textos depois e já estamos vivendo um novo cotidiano. As crônicas refletem essa virada do roteiro, uma inquietação com a incerteza, um silêncio de quarentena e pitadas de graça que vieram com essa nova vida.
Então chega o fim de agosto. Por acaso me recordo que há um ano iniciei essa coluna. Escrever sobre o cotidiano. Mas qual?
Há um ano eu estava vivendo um dia normal de trabalho, de terno, cumprimentando pessoas, levando as filhas na escola, aguardando na fila da padaria, e ouvindo sobre recomendações da OMS como algo distante.
Hoje trabalho de casa e não visto um terno há meses, a escola das meninas está fechada há quase duzentos dias, passei a conhecer o cotovelo das pessoas, meço a distância na fila da padaria e a OMS se tornou quase um ente mitológico entre nós.
Victor Hugo disse uma vez que a feição dos anos é que compõe a fisionomia dos séculos. Talvez esse cotidiano de 2020 tenha sido uma ruga na fisionomia da nossa história. Talvez até um leve sorriso indecifrável, desses que podem representar tanto uma reflexão longínqua quanto uma dor resignada.
Não sei. Cabe ao cronista apenas registrar. Não como um historiador inventariando fatos ou um arquivista a catalogar documentos. Muito menos como um analista discorrendo sobre os desafios do novo normal. Está mais para uma conversa de avô, que diz “no meu tempo era assim”, só que faz a narração enquanto vive a narrativa.
Pois lembro de um dia quente e seco, quando não havia nuvens no céu e quando os ipês amarelos floriram. Eu estava trabalhando de casa. Também minha mulher. Minhas filhas estavam em casa e a escola estava fechada. A gente só podia sair de casa usando máscara e mantendo a distância entre as pessoas. Não havia festa de aniversários nem casamentos nem formaturas. No início foi estranho, mas depois a gente se acostumou à rotina.
Acho que era agosto de 2020. Muita coisa aconteceu, deixa eu te contar…
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