Vivemos em uma era paradoxal, onde a aparência não apenas seduz, mas governa. A frase que dá origem a esta reflexão é um diagnóstico sóbrio e contundente do nosso tempo: “Vivemos em um mundo onde o funeral importa mais que o morto, o casamento mais que o amor e o físico mais que o intelecto. Vivemos na cultura da embalagem que despreza o conteúdo.”
Neste cenário, o essencial tornou-se invisível porque o superficial grita mais alto. Um funeral, por exemplo, não raro transforma-se em espetáculo de vaidades e homenagens públicas, às vezes tão hiperbólicas quanto tardias, enquanto a memória real do morto, seus afetos e valores, são rapidamente esquecidos. O que importa é a estética da despedida, não o legado de quem partiu.
O casamento, por sua vez, deixou de ser o sacramento do amor e da cumplicidade para se tornar o evento do ano — palco de produções cinematográficas, coreografias nas redes sociais e bufês exuberantes. O amor, o diálogo, o respeito mútuo? Frequentemente ficam nos bastidores, sufocados pela exigência de performance social.
E quanto ao culto ao corpo, talvez seja o exemplo mais cruel dessa inversão de valores. Investimos fortunas em procedimentos, dietas e filtros para caber em um padrão estético que sequer respeita a diversidade natural da vida. O intelecto, a sensibilidade, a sabedoria? Raramente viralizam. Num mundo onde o número de curtidas vale mais que o número de livros lidos, o pensar tornou-se um ato subversivo.
A cultura da embalagem impõe uma ditadura silenciosa: a de parecer ao invés de ser. Preferimos a fotografia editada à experiência vivida, a opinião rápida à reflexão profunda, a performance pública à intimidade sincera. E, assim, vamos construindo relações frágeis, identidades frágeis, sociedades frágeis.
Desprezar o conteúdo é matar o que nos torna humanos. A embalagem pode impressionar à primeira vista, mas só o conteúdo sustenta o valor real das coisas ao longo do tempo. Uma sociedade que valoriza mais a pompa do que o princípio, mais o espetáculo do que a essência, está condenada a viver de forma rasa — ainda que rodeada de brilhos.
É tempo de reverter essa lógica. De celebrar menos o que reluz e mais o que permanece. De amar com mais verdade do que com demonstrações. De valorizar mais a integridade do que a aparência. De resgatar o conteúdo, ainda que ele venha em embalagens simples, porque é ali que habita a beleza mais duradoura — aquela que o tempo não corrói e que nenhum filtro pode fabricar.
Talvez o desafio do nosso tempo seja esse: redescobrir o valor das coisas por aquilo que são, não por como se apresentam.