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segunda-feira, junho 16, 2025

Bula Impressa: a modernização não pode custar vidas

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Por Alexandre de Morais*

Que bom!
Que bom que existem aqueles que nunca enfrentam um apagão.
Que têm celular de última geração, com plano de internet ilimitada e wi-fi veloz, funcionando 24 horas por dia.
Que bom quem têm um profissional disponível, paciente e disposto a ajudar sempre que surge uma dúvida. No caso um técnico em informática quando um celular der problema de memória ou mal funcionamento em um aplicativo
Que bom que todos moram em uma casa confortável, com tudo funcionando, e conexão de última geração.
Seria ótimo se essa fosse a realidade dos milhões de brasileiros que tomam remédios diariamente. Mas não é.
Que bom seria se só idosos com esse padrão de vida precisassem de medicamentos. Que bom seria se pobres, vulneráveis, moradores de regiões com acesso precário à internet, à eletricidade e à informação, simplesmente não adoecessem.
Mas a vida real não é assim. E quando falamos da proposta da Anvisa que tenta eliminar as bulas impressas, substituindo-as exclusivamente pela versão digital, não estamos falando de avanço; estamos falando de exclusão.
Não se trata de ser contra a inteligência artificial, nem contra a tecnologia. Pelo contrário: somos defensores da modernização, da IA e das ferramentas digitais, que são, sim, uma tendência sem volta e podem gerar grandes benefícios.
Mas modernizar não é excluir.
Modernizar não é ignorar os mais vulneráveis.
Uma pesquisa recente do Instituto Datafolha mostra que mais de 80% da população exige a manutenção da bula impressa como instrumento de segurança e saúde. E a própria consulta pública da Anvisa chegou a resultados semelhantes: a ampla maioria defendeu que a bula física seja sempre mantida junto ao medicamento, para garantir o direito básico à informação em saúde.
Porque bula não é papel. Bula é proteção. Bula é vida.
Quando uma bula impressa é abolida, não se elimina apenas um pedaço de papel. Elimina-se a possibilidade de uma senhora, de um idoso, de um trabalhador ou de qualquer pessoa conferir uma contraindicação, uma interação medicamentosa, um efeito colateral ou a dose correta.
A justificativa de economia também não se sustenta. Uma bula custa, em média, de 4 a 6 centavos por unidade, valor irrisório diante do preço dos medicamentos e dos riscos que a falta de informação pode gerar.
Falam em sustentabilidade. Pois saibam que o papel utilizado é proveniente de reflorestamento, com impacto ambiental irrelevante perto do que está em jogo: vidas humanas.
Falam em inclusão digital. Pois saibam que 25% da população brasileira sequer tem acesso estável à internet, dispositivos modernos ou letramento digital básico. E entre os idosos, esse número é ainda mais alarmante.
A pergunta que fica é:
Modernizar para quem? Incluir quem? E excluir quem?
Vivemos, talvez, a era do “Lucro a Qualquer Preço” – Lucrum ad Omnem Pretium –, onde eficiência é confundida com corte de direitos e inovação é usada como desculpa para reduzir custos, não para proteger vidas.
O que está em debate aqui não é o futuro. É o presente. E é sobre garantir que ninguém, especialmente os mais vulneráveis, seja deixado para trás.
A luta segue na Justiça, no Congresso Nacional na imprensa e nas ruas. Porque informação salva vidas. E bula impressa é, sim, questão de saúde pública.

*Alexandre de Morais é advogado especializado em Defesa do Consumidor e coordenador do Movimento Exija Bula

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