Imediatamente depois de amanhã
Emergência exige medidas imediatas.
O governo disse na sexta passada que havia uma emergência em saúde pública, que não havia mais leitos de UTI disponíveis. E por isso anunciaram o lockdown “imediatamente… para depois de amanhã”.
Por que fugir do “esse decreto em vigor na data de sua publicação”?
– É para o comércio e a população se adaptarem à medida.
– Duvido, se fosse por isso, por que não começar na segunda logo, como tudo no Brasil? Pelo menos todos teriam um final de semana inteiro para se despedir do novo normal e aceitar o novo novo normal.
Especulações à parte, no meio do caminho havia um casamento. Havia uma noiva e um noivo ansiosos aguardando convidados para um grande evento. Dizem inclusive que certa autoridade local havia sido convidada para padrinho. Parecia chique…
No decorrer do sábado essas histórias começaram a se entrelaçar, surgindo rumores sobre intenções menos nobres para o lockdown decretado imediatamente para depois de amanhã.
Mas isso soava falso demais. E até lembrava o baile da ilha fiscal, onde o império brasileiro se refestelou inocentemente num refinado banquete às vésperas de ser destronado por alguns militares – o último baile do império, como ficou conhecido o evento. Seria esse o “último casamento do governo”, numa repetição da história mais de cem anos depois. Pouco provável.
Então mais notícias começaram a aparecer em vários grupos. O local da festa. Os nomes dos noivos. Uma campanha para uma manifestação às portas da cerimônia, ou para impedir a cerimônia. Veja que a política já contaminou almoços em família, discussões sobre as medidas a serem adotadas na pandemia, e agora até casamento de terceiros.
Para apaziguar os ânimos, o governador, num arroubo imperial, como Dom Pedro no dia do fico, decretou que ficava em casa, e desmarcou sua presença por um tweet. Aliás, se o presidente inaugurou o governo por tweets, o governador transformou o diário oficial em stories do Instagram. De sexta para sábado, foram três decretos, num tal de fecha tudo, abre, fecha de novo.
A situação da saúde é séria e grave. E também a situação econômica. Por isso adotamos o keynesianismo ao pé da letra. Keynes dizia que em crises o governo deveria pagar alguém para cavar buraco e outro para tapar o buraco, e assim fazer a roda da economia girar.
No nosso keynesianismo candango, a gente paga para montar hospital de campanha e, quando ele fica pronto, já não é mais necessário, e pagamos para desmontá-lo, mas aí as coisas mudam e ele deve ser montado de novo.
Tudo soa tão estranho e improvável como numa crônica de Sucupira. Eu mesmo nem sei o que pensar disso tudo. Cheguei a achar que esses dois meses foram só um sonho e que na verdade estamos presos em 2020. Já um amigo profetizou que as coisas no Brasil só começam pra valer depois do carnaval, e como esse ano não teve carnaval, devemos esperar até 2022.
Espero que nosso keynesianismo dê certo o quanto antes, que os hospitais sejam construídos, e que tenhamos a volta, ainda em 2021, do novo novo novo normal.