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quarta-feira, abril 24, 2024

Maternidade e Depressão pós-parto

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A depressão pós parto é um fenômeno muito amplo, no entanto, muitas vezes tratado de forma reducionista, e ainda causa um grande estranhamento o fato de que a gravidez e o puerpério podem ser vividos de maneira sofrida, adoecida. Como o nascimento de uma criança (que desejada ou não, é uma promessa de vida) pode desencadear tamanho sofrimento? A verdade é que há um grande tabu pregando que a mulher deve estar sempre radiante com a experiência da maternidade, ainda que a realidade nos mostre que essa vivência pode ocorrer em meio a muita angústia e aflição.

Tal tabu se reflete em como a sociedade em geral refere-se à depressão pós parto, seja culturalmente ou cientificamente. As considerações acerca do tema costumam se encaixar em alguns eixos: há a tendência biológica, que justifica a DPP por meio do boom de hormônios que acomete a mulher principalmente durante o trabalho de parto, ainda que existam estudos que comprovem a ocorrência de DPP e Baby Blues também em mães adotivas e mães de bebês prematuros (Szejer, 1997). Ademais, se todas as mães estão sujeitas a alterações hormonais durante todo o processo de gravidez, por que só algumas desenvolvem a depressão?

Um dos eixos a ser também considerado diz do preconceito em relação ao sofrimento das mães puérperas, que culmina na banalização da depressão pós parto e faz com o que seja mais difícil identificá-la e, consequentemente, tratá-la. A pesquisa Nascer no Brasil, desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz, constatou que o índice de mães brasileiras com sintomas depressivos é de 26.3%, taxa que além de ser alta por si só, está acima da média para países em desenvolvimento, que é de 19.8%, segundo a OMS – Organização Mundial da Saúde (THEME et al, 2016).

 

Mesmo sendo uma doença grave e um problema de saúde pública, as mães deprimidas se sentem inadequadas e desamparadas, e sofrem triplamente: além de todos os sentimentos conflitantes e negativos em relação à maternidade e ao bebê, elas vivem uma enorme culpa por estarem se sentindo dessa maneira e ainda se privam de compartilhar essa condição, já que a visão romantizada da maternidade acaba não dando espaço para que o sofrimento das mães seja de fato acolhido.

Cientificamente, existe uma prevalência de estudos que abordam a depressão pós parto unicamente a partir da perspectiva do bebê, buscando descrever os sintomas e explicar quais as repercussões da depressão materna no desenvolvimento infantil. Talvez até você mesmo, leitor (a), tenha achado estranho algo escrito sobre a depressão pós parto que fale sobre o lugar da mãe, ao invés de focar nas consequências para o bebê. Essa questão perpassa uma fala muito comum entre as mães, que dizem “agora é tudo sobre o neném, ninguém nem lembra mais de mim”; assim que o bebê nasce, as palavras da mãe se ocultam, é realmente tudo sobre/para/por causa do bebê. Obviamente, é fundamental que a criança seja cuidada e amada, mas essa não é uma demanda unicamente do filho: as mães também precisam de sustentação nesse momento tão delicado.

Em suma, ainda que seja necessário dividir a depressão pós parto em vieses e abordagens diferentes, é preciso tomar cuidado: essa mesma divisão que nos organiza pode acabar caindo numa tendência padronizadora, que ou negligencia a depressão ou a trata exclusivamente pelo que ela tem de comum, que se repete para todas as mães. Como em qualquer experiência, há algo que escapa: de um jeito penoso ou não, a maternidade vai ser vivida de forma única por cada mulher e para cada filho.

Sendo assim, o objetivo deste artigo não é descrever a sintomatologia da depressão pós parto ou propor uma cura, mas oferecer uma visão que ultrapasse a tendência patologizante que permeia o assunto, buscando considerar a gravidez e a maternidade como experiências que revolucionam a constituição subjetiva da mulher e que são capazes de proporcionar uma revolução psíquica na família como um todo, afinal, não existe organização no mundo que um bebê não seja capaz de desorganizar.

Por vezes, deixamos passar batida a magnitude da experiência da maternidade. A começar pela descoberta de que espera um (ou mais) filho (s), até vivenciar a gravidez, o parto e o pós parto, existe essa travessia que a mulher vai realizar, e sempre à sua maneira. Ser mãe é viver constantemente um processo de reconhecimento: de si mesma, de cada nova situação em que se encontra e desse outro ser com quem se encontra – desse filho que é tanto previsto quanto imprevisível.

Muito mais do que algo instintivo, estar grávida é uma experiência única e sem precedentes, e talvez a depressão pós parto faça mais sentido se nos permitirmos encarar a gravidez como a vivência complexa que ela é. Gerar uma nova vida significa, no mínimo: sair do papel de filha para o papel de filha E mãe; construir a própria família; pular uma geração; saltar uma etapa em seu próprio desenvolvimento; desconstruir e reconstruir sua relação com a própria família; se perguntar como foi a sua própria gestação e nascimento; se colocar social e culturalmente como mãe, arcando com todo o peso que esse status é capaz de proporcionar, etc etc etc.

Talvez nem as mães se deem conta da grandiosidade do papel que desempenham, desconhecem seus próprios sentimentos em relação à gravidez, e quando os conhecem, muitas vezes a sociedade não os legitima. Existe toda uma cultura que prega a importância do pré-natal, mas e o pós? O parto é um recomeço, então até quando vamos tratá-lo como um fim?

Quando a mulher dá à luz, ela se coloca à luz; está ali, vulnerável, sabendo que muita coisa está por vir, e mesmo com toda a preparação rumo ao vir-a-ser mãe, no fundo permanece a certeza de que inevitavelmente o ser mãe será inédito. Cabe lembrarmos que o parto é o momento chave no qual o bebê nasce para a vida, mas a mulher sai da gravidez, do estado de plenitude, para se deparar com um vazio no seu corpo e com um novo ser que dependerá exclusivamente dela. Também é o momento no qual as expectativas e ansiedades que acompanharam a gestação tomam uma dimensão real, e vão confirmar ou não tudo que se pensava anteriormente sobre essa experiência e sobre o próprio bebê.

O susto e o impacto do parto caminham paralelamente à descoberta de que o “instinto materno” não tornará fácil a tarefa de ser mãe, e isso pode ser traumático. O tornar-se mãe sempre será desafiador, é lidar todos os dias com as imensas dificuldades e mesmo assim escolher os motivos (que sempre serão subjetivos e singulares) que fazem tudo valer a pena.

Olhar para a maternidade de uma maneira mais sincera e se conscientizar de que ela pode gerar sofrimento em diferentes graus não faz essa experiência perder o brilho, mas pode proporcionar uma compreensão de que ser mãe é trabalhoso tanto fisicamente quanto psiquicamente, e que é preciso olhar para as grávidas e para a maternidade com o devido cuidado.

Não podemos ser radicais a ponto de dizer que a depressão pós parto é apenas uma das maneiras de vivenciar a maternidade, mas negligenciá-la e banalizá-la é um grande desserviço à sociedade. Podemos tentar compreendê-la, atribuir-lhe um sentido, e principalmente, dar voz ao que as mães tem a dizer: elas saberão dizer com propriedade, mas precisam de espaço e de escuta.

 

REFERÊNCIAS:

 

SZEJER, Myriam et al. Nove meses na vida da mulher: uma abordagem psicanalítica da gravidez e do nascimento. Casa do Psicólogo, 1997.

 

THEME, Mariza Miranda et al. Factors associated with postpartum depressive symptomatology in Brazil: the Birth in Brazil national research study, 2011/2012. Journal of affective disorders, v. 194, p. 159-167, 2016.

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