A frase de John Carmack — “Ter foco é uma questão de decidir o que não fazer” — é uma lâmina filosófica. Ela corta com precisão a névoa que envolve muitas vidas: a ilusão de que mais ação equivale a mais realização. No fundo, a vida de quem verdadeiramente sobe em direção ao alto não se constrói com o que se adiciona, mas com o que se elimina.
Vivemos em uma era de excesso. Excesso de informação, de opiniões, de possibilidades, de ruídos. E nesse mar de estímulos, o líder, o criador, o buscador — qualquer um que deseje viver com propósito — precisa tornar-se um escultor: aquele que molda o essencial subtraindo o supérfluo. Assim como Michelangelo dizia que a escultura já existia dentro do mármore e seu trabalho era apenas retirar o que era desnecessário, o foco exige esse mesmo gesto ousado de renúncia.
Foco, portanto, não é só uma capacidade de concentração, mas uma decisão ética. É uma escolha estratégica e moral: o que não vale mais minha energia, meu tempo, minha lealdade? Onde estou sendo arrastado para longe de mim mesmo? Qual parte da minha agenda é uma traição ao meu propósito? Quando alguém diz “sim” a tudo, sua alma vai se diluindo em obrigações que não edificam, em relacionamentos que sugam, em tarefas que distraem.
No campo da liderança, isso é letal. Líderes sem foco são como generais sem mapa: atiram em todas as direções, mas não vencem batalhas decisivas. Eles confundem movimento com progresso. Em vez de fazer poucas coisas com excelência e visão, atolam-se em dezenas de compromissos que apenas inflam o ego e esvaziam o legado. Líderes verdadeiramente transformadores são obsessivos com o essencial — e impiedosos com o trivial.
Na vida espiritual, o foco é uma forma de fé. Fé de que o menos pode ser mais. De que abrir mão de mil possibilidades não é perder, mas afirmar com poder aquilo que se escolheu viver. Fé de que não precisamos provar nada para ninguém se estamos alinhados com algo maior que nós mesmos. É por isso que toda grande tradição espiritual ensina o valor do jejum, da solidão, do silêncio: não como punição, mas como limpeza da alma.
Decidir o que não fazer, então, não é só um gesto de produtividade — é um ato de soberania. É reivindicar o direito de viver uma vida coerente com o que você acredita, mesmo que isso signifique decepcionar expectativas alheias, cortar vínculos, encerrar projetos ou mudar de direção. O foco é a espada que separa o que nos aproxima do nosso destino do que apenas nos ocupa.
Mas por que isso é tão difícil? Porque dizer “não” exige clareza interna. Exige saber o que você realmente quer, e ter coragem de bancar o preço disso. Muitos evitam escolher para não perder. Mas ao não escolher, perdem-se a si mesmos.
Então, que esta frase se torne um ponto de partida radical: quais tarefas, hábitos, relações ou discursos você precisa deixar de lado para que sua energia vital se concentre no que realmente importa? O que você faz apenas por medo de parecer egoísta, ingrato ou fraco — quando, na verdade, está sendo incoerente?
Dizer “não” é um voto de fidelidade à sua missão. É deixar de ser plateia da sua própria vida para assumir o palco. É cortar o que está bom para abrir espaço ao que é grande. E isso dói. Mas toda evolução exige sacrifício. Não há ascensão sem renúncia.
Por isso, não pergunte apenas “o que devo fazer?”. Pergunte também: “O que preciso parar de fazer agora, para que minha vida finalmente tenha direção?”
Essa pergunta pode mudar seu ano — ou sua existência.
Você tem coragem de parar de viver em excesso para viver com propósito?