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quinta-feira, abril 25, 2024

O FOTÓGRAFO DO PODER

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O FOTÓGRAFO DO PODER

A nossa história começou diferente. Não sabia o nome dele. O editor apenas pediu que entrevistasse o Moreno. E que ele é uma das pessoas mais surpreendentes que já havia conhecido. Contou também a semelhança impressionante dele com um jornalista renomado (já falecido). E disse que a generosidade de Moreno impressionava. Ele acreditava nas pessoas. E ainda o faz. Vendeu um apartamento. Ajudou um dos maiores pilotos da história da Fórmula 1. Somando a tudo isso, quase esqueço outro detalhe importante. Moreno fez parte da história, registrando a ditadura militar quando fotógrafo -, ocupação que o acompanhou por quase toda a vida.

Moreno é moreno por causa da época em que frequentava a oficina mecânica Camber, na 502 sul. Não só ele, como toda a Brasília, em 1967, pouco depois da inauguração, frequentava. “Todos me chamavam de moreno por lá. Era ponto de encontro. As pessoas preferiam a w2 ao invés de passarem de carro pela w3 sul. A Camber era o burburinho”, disse. Aliás, a oficina revelou três pilotos que chegaram à Fórmula 1. Era famosa em transformar lata em carros bem legais, como um protótipo construído com restos de um Fusca capotado. Reza a lenda! Foi lá que Moreno conheceu o ex-presidente Fernando Collor.

Nelson Piquet e Moreno no saguão do Palácio do Planalto após encontro com Presidente Collor.

Moreno é José Luiz Faria, carioca da gema, que nasceu em 12/12/1947, no histórico e arborizado Bairro do Catete. Hoje, aos 74 anos, o fotógrafo, “formado em contabilidade”, tem muita história para contar. Curte filmes de faroeste e comédias para rir bastante. Gosta de pagode e samba. Foi amigo de Paulinho da Viola. Considera Brasília uma cidade e tanto. E diz que em todo aniversário da cidade, fica nostálgico, lembra das histórias e de como a cidade foi generosa para ele. Veio para a capital recém-inaugurada, pouco tempo depois do pai, José Luz Faria, engenheiro agrônomo. Atuou na construção do balão do aeroporto e na estrada que vai para Anápolis (GO). Mas veio “fichado” como fotógrafo, só depois o equívoco foi consertado. Coincidência ou o destino traçando o futuro do filho também José, digo, o Moreno.

Mas antes da fotografia, ele já havia passado pelo Exército brasileiro, trabalhado em banco e na administração da Embaixada dos Estados Unidos, em Brasília, onde o interesse pela fotografia manifestou. “Eu entrava na sala escura para ver como era feita a revelação. Passei a gostar disso. Transformei num hobby. E depois em profissão”, disse Moreno. Foi no jornal O GLOBO, onde ficou por 13 anos, que os primeiros passos na arte de captar boas imagens foram dados.

Acabou a luz na festa do Madruga

E foi na festa de aniversário do amigo Madruga, na 107 sul, que ele conheceu a cearense Maria Ivonete. “Naquela época íamos muito na casa um dos outros, para escutar música, bater papo. A luz acabou, peguei na mão da Maria e nunca mais soltei”, lembra com saudades da finada esposa que há três anos deixou Moreno viúvo. Ele disse que ficou de mãos dadas muito tempo. E isso foi marcante. Casou-se dois anos após o episódio da luz. Depois vieram, quase que em uma escadinha, os três filhos Renata, Gustavo e Frederico. Tem seis netos (mais netas que netos). E uma bisneta.

O apartamento que quitou o carro de um dos maiores pilotos da Fórmula 1

O que uma coisa tem a ver com a outra?! É uma história boa de ouvir. Ou ler. E imaginar em cores, mas não muito fortes, como num “retrato” da década de 70

Dois dias antes de ser convidado para trabalhar no jornal O Globo, Moreno estava no Autódromo de Tarumã, em Porto Alegre (RS). “Estava desempregado, peguei um ônibus para São Paulo e outro para Porto Alegre, onde estava Nelson Piquet, meu amigo. Ele estava começando a correr nessa época”, disse. Quando soube da notícia, teve que voltar as pressas para Brasília. “Nelson pagou a minha viagem de volta pela Varig, na segunda-feira, no dia em que comecei o meu trabalho”, lembra.

A amizade já vinha desde a época da lendária oficina Camber, em Brasília, frequentada por Nelson Piquet. “Ele tinha uma Kombi remendada, a frente era diferente da traseira. E quando ele ia correr pelo país, dormia nela, em cima de um baú e um colchonete”, lembra.

Lá pelas tantas, o patrocinador que iria ajudar na compra do carro para que Nelson corresse não cumpriu o acordado. Moreno vendeu o apartamento número 210, do bloco I, na 406 sul, e deu para o jovem piloto quitar o carro. “Eu morava no apartamento 108. Nelson era muito meu amigo. O que fiz não foi empréstimo. Foi dado mesmo. Mesmo depois de anos, Nelson sempre me presenteava. Me dava parte dos seus prêmios. Uma vez, em Portugal, ele arrumou lugar para eu me hospedar. E outra vez, em Nova York, encontrei-o por acaso. Ele ofereceu a passagem de volta ao Brasil. Eu estava a trabalho pelo jornal e resolvi ficar mais alguns dias”, disse. A parceria e cumplicidade eram de longa data.

Ingenuidade de um fotógrafo iniciante

O chefe de Moreno alertou que o bom fotógrafo deveria ler muito. E assim evitar problemas, como chegar na redação sem o material. E foi isso que aconteceu com Moreno. Na ocasião, ele fotografava tudo o que acontecia no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional. E uma vez, o líder parlamentar José Bonifácio o convenceu de que não precisava registrar imagem dele, pois ele não era o líder. Moreno, convencido, chegou sem o material. Tudo teria sido evitado se ele tivesse lido um pouco mais. “Não tinha noção do jornalismo”, disse.

O convite feito para O Globo veio do renomado fotógrafo mineiro Orlando Brito. “Ele confiava em mim. E queria me ajudar. Era um emprego difícil de conseguir”, lembra.

São muitos os amigos que Moreno fez ao longo de sua trajetória. Ele lembra dos tempos de Isto É, ao lado do fotógrafo Luiz Humberto Martins, um dos fundadores da Universidade de Brasília, falecido há menos de um ano. “Ele era muito querido e tinha um nível cultural bem elevado. Deu dicas de fotografia e me fez crescer por meio dos seus conhecimentos gerais”, lembra.

Trabalhou também na antiga Radiobrás e depois com o falecido ex-governador de Brasília, Joaquim Roriz. “Nem sabia quem era ele na época. Fui chamado para trabalhar na campanha dele. E acabei sendo contratado”, disse.

Ditadura Militar e demissão do ministro Sylvio Frota

Estar no lugar certo, na hora certa, por duas vezes, no mesmo dia. Moreno foi o único fotógrafo a conseguir fazer uma imagem do Ministro do Exército, Sylvio Frota, num momento de crise, no governo do Presidente Ernesto Geisel. “Foi sorte. Ninguém conseguia fotografá-lo. Eu estava ao lado da garagem, no Setor Militar Urbano, bem no momento em que o carro que levava o Ministro subia rampa. Foi marcante. Tirei a foto”, disse Moreno. A demissão do Ministro marcou os últimos dias de ditadura, em 1977.

Dizem que a sorte não passa duas vezes. Mas com o Moreno aconteceu no mesmo dia. O jornal O Globo o enviara, por coincidência, no mesmo avião do ministro recém demitido, que retornava ao Rio de Janeiro. Ao lado do repórter, José Carlos Badawil, célebre jornalista que cobriu os principais momentos da política brasileira, da ditadura a democracia, Moreno conseguiu mais um clique histórico. “O avião já havia decolado. Não podiam nos expulsar”, riu.

Me faz uma tapioca, querida?

Ao telefone, o amigo e sósia, o jornalista Jorge Bastos Moreno, ligou pedindo para a esposa do Moreno fotógrafo, que o salvasse, pois ele ia receber um casal vindo de Recife. Missão cumprida. Amigos e sósia, os dois Morenos foram vizinhos, na mesma quadra na asa sul, e depois no mesmo bairro, o Lago Norte.

“Foi um grande jornalista. Todos o adoravam. Ele era cativante. Não tinha inimigos. Adorava uma cozinha e sempre levava os amigos para casa para almoçar ou jantar”, lembra. Uma vez, Moreno chegou em casa e não viu os móveis nem os tapetes, nem nada. O outro Moreno pegou tudo emprestado sem avisar. Mas por uma boa causa. Era preciso mobília para receber Ulysses Guimarães que prometera jantar na casa dele algum dia. E esse dia chegara.

“Todos os políticos só queriam dar entrevista para Moreno. Ele era cheio de fontes”, disse Moreno fotógrafo.

Foto premiada no concurso Olhar Brasília: Oscar Niemeyer em visita à Catedral de Brasília.

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