A máxima de Lord Acton — “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente” — não poderia encontrar terreno mais fértil do que na América Latina. A região, marcada por ciclos de autoritarismo, populismo e tentativas de consolidação democrática, parece encarnar com perfeição a advertência do pensador inglês. Aqui, o poder não é apenas instrumento de governo, mas um campo de disputa permanente entre a promessa de transformação social e a tentação da concentração sem limites.
O caso brasileiro é exemplar. Desde a redemocratização, os presidentes eleitos convivem com a ambiguidade entre liderar dentro das regras institucionais e ceder à tentação de manipulá-las. Fernando Collor, que chegou ao poder como “caçador de marajás”, terminou caçado pelo próprio Congresso após um escândalo de corrupção. Luiz Inácio Lula da Silva, que emergiu como símbolo de esperança para as classes populares, viu seu partido ser tragado pelo escândalo do mensalão e depois pelo petrolão, ambos relacionados ao uso do poder para manter alianças políticas e perpetuar influência. Já Jair Bolsonaro levou ao limite a tentativa de minar instituições democráticas, questionando a lisura das urnas e estimulando ataques ao Judiciário, numa clara tentativa de transformar poder eleitoral em poder absoluto.
Na vizinhança latino-americana, a tendência se repete. Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, mostraram como líderes carismáticos podem corroer gradualmente instituições em nome do povo, mas em benefício próprio. Evo Morales, na Bolívia, ignorou plebiscito e limites constitucionais para buscar a reeleição indefinida, transformando um projeto de emancipação indígena em crise política. Até Andrés Manuel López Obrador, no México, que se apresenta como paladino anticorrupção, é acusado de enfraquecer órgãos autônomos e concentrar poder no Executivo.
Esse ciclo de promessas e quedas dialoga diretamente com as teorias clássicas. Maquiavel já alertava que governar exige escolhas que podem chocar a moralidade, mas o problema é quando tais escolhas se tornam justificativa para a permanência ilimitada no poder. Weber lembrava que toda autoridade precisa de legitimidade, mas o que se vê na região é a substituição da legitimidade institucional pelo carisma ou pela manipulação. Foucault, ao apontar que o poder circula em discursos e práticas, ajuda a compreender como líderes latino-americanos mobilizam narrativas nacionalistas, religiosas ou sociais para consolidar hegemonia. E Hannah Arendt reforça o ponto central: quando o poder deixa de emanar da coletividade e se concentra em um só homem, ele se aproxima da violência e perde legitimidade.
A América Latina mostra que o poder não corrompe apenas os indivíduos, mas também a própria lógica democrática quando não há freios institucionais sólidos. Por isso, a frase de Lord Acton permanece tão atual: ela não descreve um destino inevitável, mas um aviso constante de que, sem vigilância social e mecanismos de contenção, cada promessa de mudança pode esconder a semente da corrupção absoluta.