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sexta-feira, março 29, 2024

Da necessidade de se estabelecer normas claras para os concursos públicos ao excesso de regulamentação

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Da necessidade de se estabelecer normas claras para os concursos públicos ao excesso de regulamentação

Pablo da Nóbrega

Nos termos do inciso II do art. 37 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 19/98, “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Trata-se de uma norma constitucional que, como destacado, remete à regulamentação legal o estabelecimento das regras a serem aplicadas nos concursos públicos.

Ninguém contesta que a definição de normas claras para esses processos seletivos é fundamental, dentre outros motivos, para preservar a isonomia entre os candidatos e recrutar os melhores quadros, sobretudo diante da relevância de tal instituto na vida das pessoas que optam por uma carreira pública. Mas e quando essa necessidade regulatória gera uma “empolgação legislativa” capaz de criar regras contraproducentes para as seleções públicas? Trato especificamente do Distrito Federal, pioneiro na definição de regras gerais para a realização de concursos públicos, pois há 6 anos está em vigor uma norma destinada a tanto: a Lei nº 4.949, de 15 de outubro de 2012.

A Lei distrital nº 4.949/12 trouxe inegáveis avanços para os candidatos a cargos ou empregos públicos locais, como, por exemplo: a) vedação para que se realizem na mesma data provas para carreiras distintas (art. 6º, VII); b) proibição de concurso público exclusivamente para cadastro de reserva (art. 10, § 1º); c) prazo mínimo de 90 dias entre a publicação do edital no DODF e a realização da prova (art. 11, I); d) valor da inscrição limitado a 5% dos vencimentos iniciais do cargo pleiteado (art. 22); e) previsão para a candidata grávida realizar prova física em até 120 dias após o parto ou o fim do período gestacional, sem prejuízo da participação nas demais fases do concurso (art. 40, parágrafo único).

O problema, a meu ver, se dá quando, a pretexto de aprimorar essas regras, o legislador passa a inserir no diploma dispositivos com pouca efetividade para os candidatos e para a administração pública, mas com relevante potencial contraproducente para o desenvolvimento dos certames. Cito dois casos.

Por meio da Lei nº 5.769/16 foi acrescido o art. 52-A à Lei nº 4.949/12 para “assegurar aos candidatos moradores da mesma residência a realização de provas na mesma instituição”. O leitor pode imaginar, em um primeiro momento, se tratar de uma iniciativa louvável, que ajudaria o deslocamento para as provas dos candidatos que moram na mesma residência. Mas e quanto ao impacto de uma medida dessas na logística de aplicação das provas?

Alguém estimou? É evidente que caso tal dispositivo se mantivesse – foi declarado inconstitucional pelo TJDFT em 2017 –, as organizadoras teriam uma significativa dificuldade adicional para alocar os candidatos nos locais de prova. E convém lembrar que maiores dificuldades de logística resultam em maiores custos operacionais. Por outro lado, a quantidade de candidatos beneficiados justifica esse incremento no custo? Sacrificaria tanto o planejamento dos candidatos que residem no mesmo local a possível realização de prova em lugares distintos? A relação custo/benefício, no meu entendimento, não é nada favorável.

Já através da Lei nº 5.768/16 passou a ser obrigatória a inclusão de dispositivos da Lei Complementar nº 840/11, que estabelece o Regime Jurídico dos Servidores do DF, nos conteúdos programáticos. Ocorre que a Lei nº 4.949/12 também se aplica aos concursos públicos no âmbito das empresas públicas distritais que recebam recursos do Tesouro (art. 1º, parágrafo único), e nessas entidades, por serem constituídas sob regime jurídico predominantemente de direito privado, o quadro de pessoal é celetista, ou seja, não alcançado pelas disposições do Estatuto dos Servidores do DF. Considerando que um dos objetivos buscados com a realização de concursos públicos é a seleção de pessoas mais alinhadas às características do órgão ou entidade, assim como da função a ser desempenhada, qual o sentido em se obrigar a abordagem de um conteúdo que não terá a mínima aplicação na vida funcional do futuro empregado?

São pontos levantados não com o intuito de condenar a regulamentação dos concursos – que entendo ser vital para a segurança jurídica dos candidatos e da própria administração pública –, mas para evitar que sob tal pretexto sobrevenham disposições que dificultem a realização dos processos sem um benefício justificável.

*Pablo da Nóbrega: Professor de Direito Administrativo, LODF e Legislação de Trânsito desde 2005. Servidor público desde 2004.

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