Imagine um mundo onde o som não existe. Onde as vozes foram caladas por algum capricho divino e tudo o que resta são ações, olhares, gestos, presenças. Nesse mundo, você ainda se sentiria amado pelas pessoas com quem convive? Sem os “eu te amo”, os “estou aqui para você”, os “você é importante para mim”, o que sobraria? E, mais crucial ainda: o que se revelaria?
Essa pergunta simples, quase poética, esconde uma provocação brutalmente lúcida: quantas das nossas relações são sustentadas apenas pelo discurso? Quantas conexões existem apenas enquanto há palavras para encobrir a ausência de compromisso, cuidado ou verdadeira presença?
As palavras são fáceis. Elas encantam, disfarçam, seduzem. Mas o amor, o verdadeiro amor — seja romântico, fraternal, de amizade ou comunitário — precisa de solo firme. Ele não sobrevive só na garganta; precisa brotar dos pés que caminham ao seu lado, das mãos que sustentam nos dias difíceis, dos olhos que te veem mesmo quando você tenta se esconder.
Se os que estão ao seu redor perdessem a capacidade de falar, o silêncio deles te aqueceria ou te congelaria?
Essa reflexão não é apenas sobre os outros. É, acima de tudo, um espelho: suas ações também fariam os outros se sentirem amados se você não pudesse mais falar? O silêncio é, por vezes, o teste mais implacável da verdade.
Na liderança, esse princípio é fatal. Há líderes que dizem “minha equipe é tudo para mim”, mas estão sempre ausentes quando os problemas aparecem. Líderes que proferem discursos inflamados, mas que nunca levantam uma cadeira para o outro sentar. Líderes que falam de “missão” e “propósito”, mas que na prática, priorizam apenas seus próprios confortos e ambições.
Na vida pessoal, seguimos a mesma lógica. Maridos, esposas, filhos, amigos: quantas dessas relações sobrevivem de aparência e expectativa? Quantas pessoas estão gritando amor com a boca, mas abandonando com o corpo, com a agenda, com o olhar que não escuta?
Espiritualmente, o silêncio revela uma verdade mística. O Divino, em muitas tradições, fala menos com palavras e mais com presença. Com sincronicidades, com consolo no inesperado, com força que brota no meio da dor. Quem está acordado espiritualmente sabe: o que não se fala, grita.
Talvez seja tempo de você fazer um inventário silencioso das suas relações. Não baseado no que dizem de você, mas no que fazem por você. E, sobretudo, fazer o movimento inverso: observar o que suas ações — não suas palavras — estão comunicando para os outros. Você tem sido abrigo ou só ruído?
Se você sente um vazio nas suas conexões, talvez não falte diálogo. Talvez falte presença. Talvez falte coerência entre o que se diz e o que se demonstra.
Talvez seja hora de fazer menos promessas e mais cafés. Menos declarações e mais escuta. Menos justificativas e mais abraços silenciosos. O amor, quando verdadeiro, é um verbo — não um substantivo.
Eis a escolha que se apresenta: continuar cercado de vozes vazias ou cultivar silêncios cheios de verdade? Continuar seduzido por discursos ou transformar a própria presença em porto seguro para os outros?
A verdade sempre foi simples: quem ama, demonstra — mesmo mudo.
Pergunta final:
Se tudo que você diz fosse apagado da memória dos que te cercam, o que suas ações deixariam gravado no coração deles?