Nascido em Nova Granada, São Paulo, em 4 de junho de 1949, Edson Gabriel Garcia se formou professor e trabalhou na educação por 30 anos. Morou em São José do Rio Preto e depois se mudou para São Paulo, onde vive até hoje. Além de ser professor, ele também foi coordenador e diretor de escolas.
Apaixonado por livros, Edson publicou diversas obras voltadas ao público infantil — muitas delas recheadas de mistério, enigmas e suspense, feito sob medida para os pequenos leitores.
Os contos que você vai ler a seguir são desse autor. Abra bem os olhos, afie sua curiosidade… e aproveite cada história!
A Criatura Medonha
Toda manhã, um grito ensurdecedor rasgava o silêncio do amanhecer, acordando os meninos. O som agudo e esganiçado parecia não ter fim e deixava Sérgio, Renato e Lucas com os nervos à flor da pele, logo de manhã. A Criatura Medonha, como a chamavam, os torturava diariamente, mal começava o dia. Começar o dia, depois do anúncio pesado da Criatura, como se ela estivesse a dizer “estou aqui, não se esqueçam de mim!”, era insuportável. Dava nos nervos, atormentava a calma, anunciava um desassossego irritante. Vinha sendo assim, há meses. Até que um dia… uma ideia maluca brotou na cabeça do Lucas.
— E se a gente… acabasse com a Criatura Medonha? — Lucas sugeriu, com um brilho nos olhos. A ideia parecia louca, mas era também irresistivelmente atraente.
Os meninos se entreolharam, rindo baixinho, mas sem saber exatamente como colocar o plano em prática.
— Como será que nossos pais reagiriam? Afinal, a Criatura Medonha é coisa deles… — ponderou o Sérgio, o mais velho dos irmãos.
— Coisa deles, mas não são eles que vivem a tortura que vivemos… — lembrou Renato.
— Então… se todos concordam, vamos à luta. — determinou Lucas, o autor da ideia.
— E esse segredo ficará entre nós! Ninguém, nunca, deverá saber que nós demos fim à Criatura Medonha! — propôs Lucas.
— Sim… que fique entre nós, para sempre. — completou Sérgio.
— Onde a gente esconderia os restos mortais da Criatura? — Renato perguntou, preocupado com os detalhes.
— Bem longe, enterrada pra sempre, desaparecida de uma vez por todas! — Sérgio sugeriu, já empolgado e determinado.
Naquela noite, com os pais dormindo, começaram a agir, no maior silêncio. Usando almofadas e cobertores para abafar qualquer barulho, Renato, o mais forte, pegou a Criatura Medonha e a enrolou cuidadosamente. Sérgio abriu a porta dos fundos com cuidado e os meninos saíram para o terreno vazio atrás da casa. O mato espesso parecia conspirar com eles, ocultando seus passos.
— Está tudo calmo? — Lucas perguntou, a voz trêmula.
— Tudo tranquilo — Renato respondeu, ainda que visivelmente desconfortável.
— E vamos acabar de vez com o reinado da Criatura Medonha. Não nos incomodará mais. Enterrada bem profundamente poderá tentar que não conseguirá. — afirmou Sérgio, convencido de que faziam o certo. “Um crime perfeito!” — pensou.
Caminharam pelo terreno da casa, grande e com mato alto nos fundos, e escolheram bem o lugar. O silêncio e o escuro da noite pareciam cúmplices.
— Aqui parece um bom lugar. Bem longe da casa. — comentou o Sérgio.
— O que vamos fazer agora? — Renato perguntou, ansioso, com a Criatura Medonha enrolada e abafada pesando nos seus braços. — Vamos acabar logo com isso!
— Sim. Vamos enterrá-la, definitivamente — Sérgio disse, determinado.
— Então mãos à obra.
Com as ferramentas que pegaram emprestado da caixa do pai, começaram a cavar um buraco.
— Mais fundo ainda.
— Bem fundo…
— Nunca mais a Criatura Medonha vai nos atormentar…
O pânico quase tomou conta deles, quando abriram o cobertor, revelando o brilho metálico da Criatura Medonha. Parecia que ela os desafiava, imponente. Mas… não havia mais como voltar atrás.
— Será que estamos fazendo a coisa certa? — indagou Renato.
— Certíssima! — afirmou Sérgio.
— É… agora nem temos como voltar atrás…
Os três irmãos cavaram um buraco bem fundo, certos de que ali, enterrada, a Criatura Medonha não os incomodaria mais. E o esforço teria valido a pena. A ideia de que nunca mais ouviriam o som irritante da Criatura Medonha os animava, em meio ao sufoco.
— Finalmente! — exclamou o Renato, enquanto socava com os pés a terra que cobriu o cadáver da Criatura.
— É o fim da Criatura Medonha!
Na manhã seguinte, a casa parecia estranhamente silenciosa. O cobertor guardado, as ferramentas na caixa, os irmãos dormindo até um pouco mais tarde, sem a ameaça da Criatura. Acordaram com gritos da mãe:
— Cadê minha chaleira?
Os gritos e o lamento dela faziam a felicidade dos meninos. Eles fingiram não saber de nada, enquanto por dentro vibravam de alívio. Até que…
— Calma, Dolores! Eu quis fazer uma surpresa para você, querida! — disse o pai deles, chegando na cozinha com um pacote na mão. — Comprei uma chaleira nova! Essa aqui apita ainda mais alto para não ter perigo de você esquecer o fogo aceso.
— Uma chaleira nova! Uauuuu, que delícia!!!
O silêncio e a alegria dos meninos duraram pouco. A Criatura Medonha tinha renascido — em versão atualizada e, certamente, mais potente.
Passeio misterioso
Renato tinha saído com sua família para comer uma deliciosa pizza em comemoração ao seu aniversário. Chegando ao restaurante, fizeram o pedido e, enquanto aguardavam a pizza chegar, o aniversariante resolveu dar uma voltinha pelo bairro.
— Não vá muito longe, filho! Já, já a pizza chega. —Falou o pai.
— Não irei longe, papai. Ficarei aqui por perto mesmo.
Então, Renato foi andando, andando… até que percebeu que alguém lhe seguia. Pensou que fosse seu pai, mas quando olhou para trás, não viu ninguém.
— Senti alguém me seguindo, que estranho! — Ele pensou em voz alta.
Foi então que resolveu voltar para a pizzaria.
Ao andar de volta, notou alguém escondido atrás de uma lata de lixo. Como Renato era muito curioso resolveu ver quem era, mas, no momento em que o menino se aproximou, esse alguém misterioso correu e Renato correu também, já arrependido por ter sido tão curioso.
Nessa fuga, quando Renato deu por si, viu-se em um lugar totalmente estranho.
— Onde estou? — Ele se perguntou.
A criatura que seguia Renato havia sumido… E o menino correu tanto que acabou se perdendo.
E agora? Como iria voltar para o restaurante? Onde Renato tinha ido parar?
Ele continuou andando e, em pouco tempo, viu casas enormes, morcegos por toda a parte e a escuridão o impedia de ver onde estava pisando…
Renato não era de sentir medo, mas naquele momento começava a ter!
De repente, Renato sentiu alguém puxando sua mão, era o ser sinistro que havia seguido. Ele estava com uma capa preta e o rosto todo coberto.
— Para onde você está me levando? Largue-me! Largue-me! — gritou o menino!
O sujeito não se importou com os gritos de Renato e continuou puxando-o até chegarem a um estranho castelo.
— O que você quer de mim? — O garoto perguntou com a voz trêmula.
Mas o ser misterioso nada respondeu, abriu a porta do castelo e empurrou Renato para dentro.
Nesse momento, o menino não conseguia ver nada, estava tudo escuro demais. Ele queria gritar, mas não tinha forças, estava com muito, mas muito medo mesmo.
Quando, subitamente, a luz se acende e Renato escuta os gritos:
— SURPRESA!!!
Estavam todos lá: seus pais, amigos, familiares… Era uma surpresa de aniversário! E o castelo assombrado era na verdade uma casa de festas toda decorada para uma festa de suspense!
Renato não acreditava no que via… Era tudo armação da sua família.
E o ser amedrontador era seu pai, que chegou perto dele, tirou a capa preta e falou:
— E então, filho, gostou da surpresa? Você havia nos falado há algum tempo que adorava suspense e queria muito ter uma festa misteriosa.
Renato ainda estava meio confuso com tudo aquilo e disse:
— Falei, foi?
— Falou sim! — A mãe respondeu.
— Tudo bem… Mas nunca mais quero saber de uma festa assim, combinado? Jamais senti tanto medo em toda minha vida!
Em seguida, os convidados riram muito e começaram a cantar os parabéns para o aniversariante, que ainda estava atordoado, mas muito feliz!
No fim, Renato pensou: “Ainda bem que era tudo armação da minha família, mas com isso aprendi uma grande lição: NUNCA MAIS DEIXAREI QUE MINHA CURIOSIDADE ME COLOQUE EM RISCO! Não se sabe o que pode acontecer!”
Missão Coragem
Na escola, a turma de Caio era famosa por suas brincadeiras e pela regra de que só entrava no grupo quem passasse pelo “Teste de Coragem”. Quando Gabriel, o menino novo, pediu para fazer parte, Caio foi logo lançando o desafio:
— Sabe aquela casa velha da esquina da escola? A gente vai se encontrar à noite e você vai ter que abrir o portão enferrujado, entrar no quintal e colher uma manga. Só cuidado com o cachorro! O dono tem um bicho muito bravo que corre atrás de quem invade o terreno.
No horário marcado, lá estava a turma e demorou para que Gabriel chegasse. A turma se entreolhou como se um único pensamento pairasse no ar: “Será que ele vai ter coragem de entrar?”.
O menino olhou para a casa. Era um casarão de madeira escura, grande e sombrio. No jardim, não havia flores nem grama, somente uma árvore enorme, de tronco retorcido que mais parecia um monstro de mil braços.
Havia uma tênue luz amarelada saindo das frestas de uma das janelas.
Gabriel até pensou em desistir. Mas aí ficaria sem entrar para a turma e ainda correndo o risco de o chamarem de Gabriel, o medroso. Por isso, decidiu prosseguir. Não tinha outra saída: era entrar ou… entrar.
Mesmo com o coração batendo forte, Gabriel decidiu encarar. Tremendo, mas juntando os cacos de coragem, começou a dar os primeiros passos. Ainda olhou para trás para se certificar de que todos estavam atentos. Não estaria naquela situação se não fosse o fato de querer tanto fazer parte daquela turma.
Do lado de fora, já dava para ver a mangueira, que parecia uma sentinela sombria. Seus galhos retorcidos, cobertos de folhas densas, formavam sombras que dançavam no chão, dando a impressão de mãos prontas para agarrar o desavisado. Um silêncio estranho pairava ao redor, interrompido apenas pelo ocasional som surdo de uma manga que caía, como um presságio, ecoando no vazio.
Apesar desse clima sinistro, Gabriel empurrou o portão, que rangeu mais alto do que mola de cama velha. O menino deu um passo tímido para dentro e… ouviu um latido tão alto e furioso que fez suas pernas tremerem tanto que pareciam pesar uma tonelada. Mas, mesmo assim, elas o obedeceram quando resolveu dar meia-volta e sair em disparada como se sua vida dependesse disso.
Chegou ofegante onde os meninos esperavam por ele.
No mesmo instante, a turma caiu na gargalhada, e Caio, ainda rindo, falou:
— Relaxa, cara, o teste era só uma brincadeira!
Antes que Gabriel pudesse responder, Caio abriu o portão e apresentou o “temido” cachorro: um shih-tzu pequenininho, com o rabinho balançando e uma carinha de quem só sabia fazer barulho.
— Esse aqui é o Thor! Ele late muito, mas não morde ninguém — disse Caio, com um sorriso travesso.
A risada foi geral, e Caio colocou a mão no ombro de Gabriel:
— Você acha mesmo que a gente colocaria um colega em risco? Bem-vindo à turma! Aqui só entra quem tem o bom senso de saber quando não vale a pena se arriscar.
Gabriel riu junto com todos, aliviado e feliz por ter entrado para aquele grupo divertido e cheio de surpresas.