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sexta-feira, julho 26, 2024

BRASILIA COUNTRY CLUB – ELEGIA PARA MARIA REGINA

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BRASILIA COUNTRY CLUB – ELEGIA PARA MARIA REGINA

O Brasilia Country Club nasceu em 1958. Maria Regina Diniz nasceu em 1947. Conheceram-se, provavelmente, em 62, 63. Foi um caso de amor à primeira vista.

Naqueles tempos antigos, Regina era linda. O clube, nem tanto… Ela era pouco mais que uma adolescente cheia de vida, de brilho e de alegria. Ele era um clube criança, vastidão de cerrado e mata ciliar encravada na vastidão ainda maior que era a Brasília da época.

Cresceram juntos, Country e Maria Regina. Eu os conheci por volta dessa época – não me lembro de data exata, que tempo e idade fazem esfumar lembranças e afastam precisões mnemônicas. Eu os vi crescer, a ambos. Vi o clube construir quadras e campos de futebol, ginásios e piscinas, saunas e churrasqueiras. Ao mesmo tempo, vi Regina passar de menina a mulher, de secundarista a universitária, vi o início do seu namoro com Ataide Rodrigues, vi o barrigão de grávida de onde saíram outras duas mulheres lindas, Aline e Carol.

Como, indagarão céticos e incrédulos, como teria ela salvo a vida do cronista?

Explico: em tempos idos, a piscina principal do Country era um descalabro de fundura. Reza a lenda que tal piscina foi construída ainda na pré-história de Brasília, a mando de Israel Pinheiro, construtor da cidade e fundador do clube. Israel queria que que Brasília tivesse uma piscina semiolímpica e adequada à prática de saltos ornamentais. Mandou escavar um buracão de 26 metros de comprido, não sei quantos de largura e 4,5 de profundidade na parte funda e 2 metros na parte rasa. Pasmem leitor e leitora: na parte rasa! Acima da extremidade mais funda, botou um trampolim.

Não me lembro de haver visto atleta corajoso se despencando lá de cima. Assim era a tal piscina. Tempos arcaicos, aqueles, sem modernidades tais como chuveiro na entrada, cerca de proteção, lava pés e salva-vidas a postos. Nada disso havia. Eram a piscina e os associados em volta dela, na busca de refresco do calorão que já naquela época nos fazia derreter a todos, candangos e pioneiros dos heroicos primeiros dias da capital nova.

A história da minha quase morte está ligada à tal piscina do Israel. Estávamos no clube – isso deve ter sido por volta de 1969, 70 – Ildeu Diniz (pai da Regina), Ataide, Gaúcho e eu, saídos de um jogo de futebol, prática obrigatória à época. Suados, cansados e encalorados. Havia também algumas belas senhoritas, amigas de D. Maria (esta é outra forma de eu chamar a Regina). O cronista, que jamais aprendeu a nadar- nem a boiar, confesso – se viu, de súbito, atirado dentro da vastidão que era aquela piscina. Quem o meliante, quem o cruel, quem o sem coração, o desalmado a lançar o inocente autor destas mal traçadas àquelas profundezas, àquele abismo? Ildeu, amiga e amigo! Ildeu Diniz, que era meu amigo, que era procurador do GDF e que era um lateral esquerdo botinudo e torcedor… do Bangu! Houve sim, garanto a vocês, um tempo em que existiu um time de futebol chamado Bangu que teve alguns torcedores, entre eles o Ildeu, pai da Regina.

Afundando e subindo. Afundando e subindo, lá estava o escriba, prestes a se afogar… numa piscina. Mais que morte: humilhação, ridicularia. Triste fim, seria aquele.

Regina sabia que eu era analfabeto de natação, machado sem cabo irremediável. Empurrou para dentro daquele mundão de água três ou quatro amigos, gritando: “ O Jacaré não sabe nadar! O Jacaré não sabe nadar!” Jacaré, é claro, é o apelido deste cronista. De repente, senti duas mãos me empurrando suavemente rumo à superfície e… sobrevivi. As caridosas e prestativas mãos, soube eu depois, eram as de Antonio Carlos Dante, o Gaúcho. Salvou-me ele? Não, salvou-me Regina, ao gritar e empurrar os marmanjos para a água.

Feito este interregno, voltemos ao que interessa.

Maria Regina, ao longo da vida, cuidou. Cuidou de mãe doente, cuidou de marido, cuidou de filhas e de netos, cuidou de amigos. Cuidou, acima de tudo, do Country Club. A sua relação com o clube foi a ponto de quase triangulo amoroso: ela se casou com Ataide, também ele apaixonado pelo Country, que presidiu por mais de uma década. Os dois se casaram com o clube. Por mais de trinta anos, Regina plantou, semeou, capinou. Árvores, arbustos, grama, flores e frutos.

 

Não me lembro de haver chegado ao clube e não encontrar Regina cuidando de jardim. Nunca. E o que ela plantava crescia, e crescia belo. Lentamente, aquela vastidão de cerrado foi se fazendo jardim, foi desabrochando numa explosão de beleza. O Country Club é, sem dúvida, o mais bucólico clube da capital. O mais verde de todos. Em 184 hectares, a Natureza e Regina se aliaram para criar uma obra prima, um refúgio verde em meio a uma capital cada vez mais cinzenta e dura, concreto e asfalto, gente apressada e barulho de carros e das infames motocicletas buzinando interminavelmente.

Regina morreu faz quase um ano. Um tumor no cérebro roubou-lhe a vida em pouco mais de seis meses entre diagnóstico e desenlace. Foi duro, foi triste e foi um pouco injusto para conosco que ficamos todos um pouco órfãos: parentes, amigos, árvores, flores, mata e cercas vivas.

O Brasília Country Club ficou órfão de Maria Regina Diniz de Oliveira, jardineira insubstituível, semeadora de belezas e de alegrias. Ela foi semear outros planetas e estrelas, mais necessitados do que o nosso. Não dobrem os sinos por ela, mas por nós que na sua ausência aqui ficamos escassos de luz e brilho, de alegria e amor.

Luiz Humberto de Faria Del’Isola é mineiro de Uberlândia. Chegou a Brasília pela primeira vez em 1957, onde se radicou definitivamente em 1960. Foi aluno do Colégio Dom Bosco, do Elefante Branco, do CEUB e da Universidade de Brasília. Em 1968, fundou o Colégio Leonardo da Vinci, que dirigiu por 12 anos. Com formação em História e Direito, é consultor legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal desde 1993.

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