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quinta-feira, abril 25, 2024

Capitanias hereditárias ou currais eleitorais

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Capitanias hereditárias ou currais eleitorais

Recentemente fiquei surpreendida ao ouvir que o bairro onde eu resido na capital do país agora pertence a tais e tais políticos. Estamos em 2020. Até muito pouco tempo em acreditava que nosso país tinha conquistado a independência e que em 1821 as capitanias tinham sido extintas, como estudei nas aulas de história.

Nas últimas décadas acreditei num país continental, rico, com dificuldades para serem superadas e uma nação livre, que tinha o poder de ter decisões democráticas e participativas.

Lutei e sonhei por dias melhores. Sempre acreditei a que a vida é cíclica. Ciclos se fecham e outros se abrem. Creio na espiral de crescimento contínuo da humanidade e do planeta. Mas tenho que reconhecer que estamos numa bolha, flutuando. Talvez, esta bolha esteja num imenso oceano, podendo emergir ou submergir, com o movimento das marés.

Aprendizados, fé, esperança nos impulsionam e talvez, as surpresas também. Ficamos estáticos no primeiro instante, mas em seguida nossa reação é manter a respiração e nos movimentarmos para continuarmos vivos. Às vezes nos deparamos com encruzilhadas, despenhadeiros ou caminhos retos e se dermos sorte, até com paisagens pitorescas que podem ser bálsamos para os nossos olhos. Para enxergar a diante é importante abrir os olhos e respirar fundo.

Assim procedi quando me informaram que definiram que nosso bairro tem donos. Só eles podem interferir nas ações públicas aqui. Parece ficção mas foi real. Quem são? nunca ouvi falar. De onde vem? também não. Qual afinidade deles com a comunidade? nenhuma. Isso é certo. Mas serão apresentados aos ilustres desconhecidos. Ilustres, por minha conta, pois a sociedade não foi ouvida, nem suas reinvindicações levadas em consideração. Mas, para estes, isso não importa, outrora era assim. Funcionava bem para a coroa.

O século XXI nos proporciona aprimoramento dos modos operantes. Faço uma imersão ao período colonial e ouso descrever como funcionavam as capitanias, para nossa reflexão e analogia aos tempos atuais.

As capitanias do Brasil foram uma forma de administração territorial da América portuguesa, parte do Império Português, pela qual a Coroa, com recursos limitados, delegou a tarefa de colonização e exploração de determinadas áreas.

O sistema de capitanias, bem sucedido no século XV, por exploradores, foi inicialmente implantado no Brasil com a doação, a Fernão de Noronha, da Ilha de São João, por Carta Régia de Dom Manuel I (rei entre 1495–1521) datada de 16 de fevereiro de 1504. Entretanto, o uso sistemático das capitanias foi estabelecido apenas em 1532, com implementação em 1534, quando foram criadas 14 capitanias hereditárias, divididas em 15 lotes.

Os beneficiários, doze, eram elementos da pequena nobreza de Portugal. O sistema de donatários, combinando elementos feudais e capitalistas.

Segundo o costume da época, o rei concedia partes dos seus poderes a empreendedores (donatários) que realizavam, por conta própria, serviços governamentais, em troca dos quais cobravam impostos dos colonos e repassavam parte do dinheiro arrecadado para o rei. O donatário constituía-se na autoridade máxima dentro da própria capitania, tendo o compromisso de desenvolvê-la com recursos próprios.

O vínculo jurídico entre o rei de Portugal e cada donatário era estabelecido em dois documentos: a Carta de Doação, que conferia a posse, e que proporcionava o investimento privado e o autogoverno colonial e a Carta Foral que determinava direitos e deveres. Foral tratava, principalmente, dos tributos a serem pagos pelos colonos. Definia ainda, o que pertencia à Coroa e ao donatário, que podia doar sesmarias aos cristãos que pudessem colonizá-las e defendê-las, tornando-se assim colonos. Para a defesa do território eram organizadas tropas de ordenanças, segundo o modelo da metrópole.

A extinção do sistema de capitanias ocorreu formalmente em 28 de fevereiro de 1821, um pouco mais de um ano antes da declaração de independência. A maioria das capitanias tornaram-se províncias.

Com os cofres comprometidos pela má administração dos recursos públicos, a parceria para exploração pela iniciativa privada se torna emergente. Assim, além da sociedade pagar os tributos a “coroa” também terá que pagar pelos “donatários” escolhidos para usufruírem de nossas riquezas ou filões lucrativos. Os beneficiário atuais, não precisam ser nobres, mas amigos do rei e garantir sua estabilidade no poder, sem questionamentos. O compromisso com o desenvolvimento se perdeu nos séculos, os interesses atuais são outros. As tropas continuam.

O vínculo estabelecido pelos documentos, hoje tem poderes constituídos para formá-los e fiscalizados, para garantir o interesse público e a democracia. Porém, a isonomia destes órgãos e sua estrutura estão diariamente sendo apedrejados. Água mole em pedra dura… Até quando vão resistir à tamanha pressão?

Assim, presenciamos hoje as capitanias, doando as sesmarias, para os ditos cristãos, marcarem o gado e cercarem seus territórios. Quem já morou na roça sabe que a boiada quando pressionada estoura. Você tem ideia do que é um estouro de boiada? quase igual um rompimento de barragem. Ninguém consegue tutorar os animais, nem a água, nestas ocasiões.

Assim, me remetendo ao tempo das capitanias ou pelo menos dos mais antigos: prudência, água benta e respeito não fazem mal a ninguém. Mente sã é corpo são. Quem não deve não teme. Mente livre não se aprisiona. Para quem sabe ler, um pingo é letra.

Máira Coelho Silva, jornalista, publicitária, MBA em gestão de comunicação corporativa, especialista em comunicação interna, sustentabilidade, gestão de crise e brand. Mestranda em comunicação digital.

 

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