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domingo, abril 28, 2024

Na fila da vacina

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Na fila da vacina

Quarto dia da vacinação; quase não havia mais fila. Uma tarde agradável de verão e um posto de saúde tranquilo assistiam àquela linha de idosos esperançosos avançando rumo a uma agulhada.

Cinco na frente, coisa rápida!

Mas deve-se lembrar que são cinco idosos, e se um idoso adora puxar assunto com a moça do caixa, o que dirá com a enfermeira da nova vacina?! Sem pressa, com bom humor e simpatia, avôs e avós vão conversando com a moça que preenche a ficha, com o rapaz que organiza a fila e com a que aplica a vacina.

– Boa tarde, mocinha! Você sabe que eu nem viria hoje, mas esse meu filho passou lá em casa e disse “pai, já está sem fila”, então eu acabei vindo. Porque você sabe que eu não gosto muito de fila, só se for na preferencial, mas daí eu pensei que todos aqui seriam preferenciais hihihi…

– O senhor pode levantar a manga da camisa, por favor?

Em seguida, uma senhora diz que acompanhou toda a sessão da Anvisa que liberou as vacinas, e discorre, com conhecimento de causa, sobre a marca da vacina que está sendo aplicada.

– Olha, eu acompanhei tudo isso aí no jornal, minha filha! Eles deviam era liberar a russa, porque na fase 3 foi a que teve maior sucesso em comparação com essas, mas faltou uma papelada aí e ainda não deu certo, mas entre a da Fiocruz e a do Butantã, olha, as duas são boas, mas…

Já outro senhor perguntou, meio de brincadeira, meio sério, se não poderia trocar a dar sua vacina à neta que a acompanhava.

– Eu já estou é na prorrogação! Essa aqui ainda tem muito pela frente, ela é que deve ficar protegida!

Brasília só tem 60 anos e iniciou a vacinação para os que tem mais de 80. Ali na fila, portanto, são todos forasteiros, vindo de outros lugares do Brasil. Quando eles nasceram, isso aqui era mato e cerrado. Não havia nem mesmo ideia de uma capital no planalto central.

Todos tinham pelo menos vinte anos quando Brasília foi inaugurada. Eles acompanharam de perto a construção desse sonho extravagante. Viram nos jornais um candidato prometer realizar um ideal antigo de uma capital no interior. Viram a vitória nesse candidato, e talvez tenham até votado nele. Viram o começo das obras, aqueles traçados retos num barro vermelho. Viram o cerrado ganhar forma de cidade, e o sonho sair do papel.

Alguns podem ter vindo justamente nessa época de construção, abandonando a estabilidade de suas vidas para lançar-se na aventura. Outros podem ter esperado a cidade ser erguida para então decidirem conquistá-la com suas famílias. Alguns ainda podem ter sido resistentes e críticos da mudança, mas, em algum ponto da vida, se renderam à cidade-avião e buscaram nela refúgio. Agora são brasilienses, de coração e de fato, numa fila de vacinação.

E assim, na fila da vacina, o ciclo da vida vai dando sua volta. Filhos e netos levando pais e avós para tomar a vacina, pegando pela mão, ajudando a se levantar, falando que não vai doer nada. Outrora, todos aqueles velhinhos estavam carregando os filhos nos braços e levando-os aos postos de saúde de outras cidades para vaciná-los.

Não existia Brasília, nem coronavírus.

Rodrigo Bedritichuk é brasiliense, servidor público, pai de duas meninas e autor do livro de crônicas Não Ditos Populares

 

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