Décadas de trabalho infantil no Lixão da Estrutural geram multa de R$ 19,5 milhões

Décadas de trabalho infantil no Lixão da Estrutural geram multa de R$ 19,5 milhões
A Justiça do Trabalho condenou o governo do Distrito Federal, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) e empresas privadas do setor a desembolsarem R$ 19,5 milhões, a título de indenização, por permitirem trabalho infantil no antigo Lixão da Estrutural. O depósito de lixo – localizado a quase 20 quilômetros da Praça dos Três Poderes – foi fechado em janeiro.
De acordo com a decisão, crianças e adolescentes desenvolveram atividades no local, “em condições sub-humanas”, o que configura a prática de trabalho infantil, “perigoso, insalubre, em convivência com a prostituição, a criminalidade e as drogas”. Cabe recurso.
Proucurado pelo G1, o SLU disse que vai recorrer da decisão, uma vez que “tomou todas as providências dentro de suas atribuições para evitar a presença de crianças e de seus pais na área durante todo o processo de fechamento do lixão”.
Já a Procuradoria-Geral do DF – que representa o Buriti – informou que “ainda não foi intimada da decisão”. A reportagem não conseguiu contato com as empresas citadas no processo.
A decisão por condenar os entes por danos morais coletivos foi da juíza do Trabalho Naiana de Oliveira. Segundo a magistrada, as indenizações serão revertidas a favor de instituições não governamentais sem fins lucrativos. Cabe ao Ministério Público do Trabalho (MPT-DF) indicar ONG’s que atuem na qualificação de trabalhadores e no cuidado à infância e à juventude.
Responsabilidade
No entendimento da magistrada, tanto o Estado quanto as empresas falharam na tarefa de erradicar a presença de crianças e adolescentes no local. “As tentativas de retirada das ocupações ilegais da invasão da Estrutural […] não tiveram êxito e também estão fartamente documentadas nos autos”, lembra a juíza.
Apesar da afirmação que consta da decisão, a Justiça reconhece que mesmo com a ineficácia das tentativas, “não é possível concluir que ao se tolerar que a população estabelecesse residência nos arredores do antigo Lixão da Estrutural, também seria tolerada a presença de menores nas áreas destinadas ao descarte de dejetos”.
Ao se referir ao trabalho de catadores no lixão, a juíza afirma que eles vivenciavam “situação esdrúxula” e, por isso, permaneceram no aterro expostos a riscos físicos, morais e psicológicos.
“O resultado foi cruel, embora previsível: adoecimento físico e moral, morte e degradação”, apontou na sentença.”
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Ainda que em diferentes graus, na visão da juíza, ficou provado também que o trabalho infantil na Estrutural era de conhecimento de todos os envolvidos. “[…] todas elas se agasalharam, esconderam-se atrás de meros paliativos, do jogo de ‘empurra-empurra’ (…), enquanto a infância e a juventude vivram a violação diuturna”.
Além disso, foi pontuado que, mesmo na ausência de recursos públicos por parte do GDF para solucionar o problema, é de responsabilidade do Estado garantir dignidade às crianças. A alegação, portanto, não isentaria o Estado da responsabilidade sobre práticas de trabalho infantil.
Lixão da Estrutural
Com 200 hectares, o Lixão da Estrutural se tornou o segundo maior do mundo. O depósito funcionou até o início deste ano e, na época, recebia quase todo o lixo produzido pelos moradores do Distrito Federal, sem qualquer tratamento ou triagem.
No entorno do local, famílias inteiras passaram a trabalhar na separação do lixo, onde era comum a prática de crimes, como o tráfico de drogas e a prostituição.