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quinta-feira, maio 22, 2025

Terror noturno

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Terror noturno

Casaram-se em setembro, no auge da seca. Fizeram juras de amor eterno, dispostos a aguentar todas as adversidades e intempéries que teriam pela frente. Após a lua-de-mel, enfrentaram juntos o final inclemente da seca.

Veio novembro, vieram as chuvas. Como moravam nas 400, o novo teste da recente vida conjugal veio com o canto das cigarras. Um zunido alto e constante, como som de vuvuzela na Copa da África, capaz de desestabilizar o cotidiano de casais cujo amor já se acha estremecido.

Mas eles suportaram de bom grado esse novo cenário, incorporando o tal barulho à rotina da casa. Inclusive por duas vezes foram surpreendidos por cigarras que acabaram dentro do apartamento. Ele, intrépido e defensor do lar, não se furtou a tomar a iniciativa para livrar a casa e a esposa daquele inconveniente, pondo para fora os insetos cantores.

O que ele não esperava era que eles tivessem de enfrentar outras adversidades além de seca, chuvas e cigarras. Não podia imaginar que as árvores frondosas que embelezavam o jardim em frente ao apartamento abrigassem outros tipos de insetos, ou melhor, animais.

Estavam em casa à noite, sentados no sofá, vendo televisão. Uma lufada de ar entrou pela janela aberta, a cortina levantou e com ela um vulto negro passou diante deles, como uma aparição de filme de terror. Era um morcego.

Pularam sem pensar e se trancaram na cozinha. O marido não sabia o que fazer com aquela visita inesperada. Cogitaram dormir ali mesmo. Ele chegou a pegar um lençol que estava secando no varal e começou a ajeitar um cantinho no chão para a esposa. Ela protestou – queria dormir em sua cama.

Sem saber o que fazer, ele pediu reforço. Ligou para os bombeiros. Afinal, os bombeiros socorrem gatinhos presos em árvores, deviam ser capazes de ajudar nesse caso.

– Posso ajudar?

– Tem um morcego na minha sala!

– E…?

– Eu queria que vocês viessem aqui tirar.

– Meu senhor, isso não é competência do Corpo de Bombeiros. Você mesmo pode retirar o animal.

Diante da negativa, ele pensou em atear fogo à sala para forçar a vinda dos bombeiros. Se não vinham por bem, viriam por mal, ora essa. Mas, um tanto quanto desapontado com esses profissionais a quem dedicava alta estima, deixou essa ideia de lado.

Resolveu ligar para o porteiro. Esse também se recusou a subir, argumentando que não poderia deixar a portaria sozinha, mas deu algumas instruções práticas: pegar uma tolha grande e jogar em cima do morcego, e depois lançar tudo pela janela, ou asfixiá-lo e então jogar no lixo. Mas aquilo tudo pareceu bárbaro, e ele se recusou.

Resolveram sair de casa, e dormir, ao menos aquela noite, na casa da sogra. Para o êxito do plano, abriram a porta da cozinha lentamente, e ela correu até o quarto para pegar algumas roupas, enquanto ele vigiava o bicho.

Ao baterem na porta, os pais dela se assustaram quando viram a filha ali, pois em tão pouco tempo de casados não esperavam que ela voltasse ao lar paterno. Ainda mais quando ela falou que havia um terceiro envolvido que estava deitado no sofá.

Mas o marido vinha junto, e ambos explicaram que o terceiro era um morcego.

Eles dormiram lá. No dia seguinte, contudo, persistia o problema: o que fazer com o morcego na sala da casa. Talvez não fosse má ideia morar com os sogros para sempre…

Mas se eles não tinham ajuda de bombeiro ou de porteiro, puderam contar com a vozinha – no caso, a vó da esposa, uma imponente figura de um metro e meio que era uma flor de candura. Pois a vozinha tinha sido criada na roça e disse que resolvia isso fácil, fácil.

Sem pestanejar, a vozinha entrou no apartamento e botou para fora aquela criatura não se sabe como, mas botou. Finalmente eles voltaram, e vivem felizes desde então.

 

Rodrigo Bedritichuk é brasiliense, servidor público, pai de duas meninas e autor do livro de crônicas Não Ditos Populares

 

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