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Crianças sob holofotes

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Elas estão na fase de ir para a escola e brincar, mas ganham palcos, dinheiro para a família e uma série de obrigações. Entenda por que o trabalho infantil artístico levanta questionamentos éticos sobre essa situação que, às vezes, ganha aval da Justiça.

Por: Giovanna Pereira e Bruno Santa Rita

Começa mais um capítulo de Pecado Mortal. A atriz da novela entra em cena. A personagem está doente. Ela (na vida real) queria colo. Afinal, com 3 anos de idade, trabalhar não deveria ser uma rotina. Era uma vez um sonho nesse mundo de faz-de-conta em que criança compartilhava  com a mãe a vontade de ser atriz. Atendido o desejo, a mãe de Sofia*, Jacqueline Pereira Oliveira, hoje com 42 anos, procurou por uma agência que tornou a filha uma pequena estrela na novela da Record, em 2013. Ela acordava todos os dias com a rotina normal de uma criança: café da manhã, aula e… brincadeiras. Porém, isso foi interrompido durante alguns meses com a inserção de trabalhos que, inclusive, a tiraram de algumas das aulas da escola. A diária de R$ 200 era paga e Sofia voltava para casa com o trabalho feito, em vez do dever de casa escrito. Histórias como a dela são comuns no País que, legalmente, deixa brechas para a realização do trabalho infantil artístico.

Jacqueline conta que, se dependesse da filha, ela não deixaria nunca de ser atriz, o que gerou problemas e cobranças em casa. Sofia sempre pede novas oportunidades. Quer estar diante das câmeras. “Ela amou. Por ela, não parava nunca mais”. A visão da família sobre o trabalho de Sofia é de que sempre foi algo muito “profissional”, inclusive por parte da criança que, segundo a mãe, se esforçava para dar o máximo na interpretação das cenas.

Quando as crianças se veem estimuladas para atividades artísticas profissionais, começam os sacrifícios e as dúvidas em uma época de formação escolar e de vínculos afetivos. Músicos, atores e modelos mirins são submetidos a treinamentos exaustivos e estudos profundos, aliados a agendas apertadas. Conforme apuração desta reportagem, há dias de teste de figurino sem pausas para almoço ou descanso, estando sujeitos à necessidade de usar roupas e calçados menores do que o tamanho de seus corpos e às obrigações estéticas cobradas pelas agências. Sonhos são projetados muitas vezes a partir dos desejos dos pais. A sugestão vira “obrigação”. Isso afeta as decisões de várias das crianças que optaram, precocemente, pela carreira artística.

 

Infância na passarela

Essa é a vida de jovens que mergulharam desde cedo no cenário do trabalho infantil artístico, uma exceção garantida pela convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que permite a autorização desse tipo de atividade por crianças. No Brasil a autorização é concedida pelas Varas da Infância em todo o País. Foi assim na vida de Kyra Passos, modelo internacional, hoje com 21 anos. Ela começou a caminhar pelo mundo da moda em 2010, quando ainda era adolescente. Desde cedo, teve que tomar decisões importantes e que exigiam responsabilidade, como decidir entre investir na carreira de modelo ou dar continuidade aos estudos. “Eu perdi algumas revisões para as provas finais da escola em uma das minhas primeiras viagens. Tive que pagar reforço e estudar muito para conseguir passar”, disse.

Kyra explicou que manter os estudos em primeiro lugar ficou mais difícil, com as viagens recorrentes. “Quando eu fui para o Chile, estudei via internet, por Skype, com os professores me enviando os trabalhos. Deu certo até eu ir para a China. Lá, nas duas primeiras semanas, eu não tive nenhum dia livre”, explica. Era pressão por todos os lados. A modelo optou por interromper os estudos. Para resolver esse problema, teve que fazer um supletivo aos 18 anos, quando voltou para o Brasil. Para os seus planos futuros, Kyra pretende iniciar o ensino superior em Amsterdã, na Holanda, onde mora hoje.

As influências que uma criança pode sofrer no meio artístico da moda são várias e, muitas vezes, podem agredir a autoestima do próprio artista. “O ruim é que você nunca está bonito perante os olhos das agências”, criticou. Ela explica que colegas modelos preocupam-se ao máximo em estar de acordo com o que é exigido e acabam prejudicando a própria saúde.

A vida da modelo Larissa Schumacher não foi tão diferente. Ela começou a trabalhar com 12 anos de idade e hoje, com 18 anos, conta que teve de tomar a “decisão da vida dela” muito cedo, ao optar pelo trabalho frente aos estudos e outras oportunidades. Com 16 anos, as viagens mais periódicas começaram e a sua carreira internacional deslanchou. Foi nessa época que Larissa decidiu o rumo que iria levar em sua vida. “Mudou a minha infância; com 16 anos eu poderia estar fazendo qualquer outra coisa, menos trabalhando”, disse.

Larissa acredita que o trabalho artístico na vida de crianças tem seu lado positivo e negativo. Ela lembra ter visto muitas pessoas novas serem sujeitas às pressões das agências de moda a ponto de influenciá-las a tomarem medidas não saudáveis. Para ela, é necessário ter maturidade para se lidar com esse mercado de forma responsável, mesmo sendo adolescente. Ela lamenta ter sido exposta a situações que passam modelos adultas.

Ela recorda que, quando trabalhou na Milan Fashion Week, começaram a surgir manchas roxas em seu corpo, devido a um problema de circulação. Larissa diz que passou a semana inteira correndo para testar roupas e calçados que, às vezes, nem lhe serviam.

 

 

 

 

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